Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Chef Andre Boccato fala sobre desafios e curiosidades de livro

A obra Os banquetes do Imperador tem como ponto de partida a coleção de menus de Dom Pedro II

Os menus de banquetes oferecidos pela família imperial brasileira no século 16 se tornaram em uma verdadeira historiografia da gastronomia nas mãos dos chefs e pesquisadores Andre Boccato e Francisco Lellis.

A obra Os banquetes do Imperador (Editora Senac, 498 págs, R$ 199,90), que neste ano recebeu o 2; lugar da categoria Gastronomia do Prêmio Jabuti, tem como ponto de partida a coleção de menus de Dom Pedro II guardada por mais de um século pela Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

Em entrevista, Andre Boccato fala sobre os desafios de escrever a obra e a nova fase do mercado editorial de livros dedicados à gastronomia.

Quando surgiu a ideia de escrever um livro com tantas informações históricas?
Como sou editor, autor e pesquisador tenho ideias o tempo inteiro. Conheci essa coleção de menus há 25 anos quando era diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo. Na época eu queria ter feito a exposição com esse acervo e não consegui. Na época eu não trabalhava na área da gastronomia. Hoje, sendo um ;cozinhólogo;, achei que era hora de editar essa coleção.

Como foi iniciada a pesquisa da obra? Os documentos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro foram a base inicial da pesquisa?
Sim. As pesquisas foram feitas a partir dos documentos originais da coleção Thereza Christina , foram pesquisados vários arquivos de jornais da época o que ;contextualizou ; os eventos. Também utilizamos vários livros históricos como os das bibliotecas da Academia Paulista de Letras. Fizemos também uma pesquisa in loco em museus como o Mariano Procópio e o de Petrópolis.

Entre todos os dados coletados, houve algum que foi mais difícil de adquirir? Se sim, por quê?
Pesquisas são como cascas de cebola: são camadas que quanto mais se pesquisa mais percebemos detalhes escondidos dentro da própria informação de tal forma que tudo aparentemente pode ser sempre mais detalhado. O que faltou e não conseguimos é encontrar os menus das viagens do imperador aos Estados Unidos.

Dom Pedro II era conhecido por ser um grande admirador das artes. De que forma essa valorização pode ser vista nos cardápios da famílias imperial?

O mundo do século 19 era um mundo mais sofisticado para a classe aristocrática. Existia um divisor muito mais forte entre pessoas de classe alta e classe baixa, de tal maneira que eram dois mundos e não existia uma classe média. A classe alta ou os aspirantes a classe alta cultivavam modos e hábitos mais aristocráticos possíveis. Copiava-se a França, referência mundial de cultura e sofistificação. Esses menus copiavam literalmente o jeito francês de enaltecer a gastronomia e isso se revela nos menus que estão escritos em 99% dos casos no idioma francês. Nesses menus eu destacaria a sensualidade, o bom humor e a excelência gráfica. Eles não serviam para vender alguma coisa. A maioria dos menus serviam para consulta ou eram verdadeiras peças de recordação.

Quais são os hábitos alimentares de Dom Pedro II que despertaram um maior interesse para integrar o livro?
O que mais desperta interesse noi imperador é ele se alimentar de ;imagens;, se alimentar de um hábito de colecionar material impresso. Ele desenvolveu um apetite cultural e uma forma de imaginar e degustar pela imagem , coisa que só modernamente acontece. Ele era praticamente um gourmet que tinha uma biblioteca gastronômica enorme. Por mais que o ato de comer dessa pessoa fosse trivial , o ;comer ; nesse caso é intelectual. Nosso imperador era um guloso.

O hábito de abrasileirar receitas europeias (utilizando técnicas consagradas e ingredientes brasileiros) tem sido muito difundido pelos chefs contemporâneos. Como é escrever um livro que mostra que essa tendência acontece no país desde o século 18?
Abrasileirar uma receita é a unica coisa possível quando você não tem ingredientes que existem na Europa. Não dá para ter a carne de caça ou aves que existem na Europa. Se tiver que utilizar aves ou peixes, por exemplo, você terá que optar por carnes brasileiras que susbtituem as dos pratos europeus. Esse abrasileiramento é mera substituição, mas vemos um outro movimento na obra O Cozinheiro Nacional, escrita no final do século 19. Esse livro proclama a necessidade de nos libertarmos do jeito europeu de cozinhar. Antigamente o que aconteceu foi uma mera substituição e não uma valorização da culinaria brasileira, como acontece hoje. O que a história revela é uma grande preocupação de imitar um modo europeu, sobretudo o francês, o que era compreensível. Na mesma maneira que hoje vivemos em um mundo que valoriza o inglês, naquela época tudo era afrancesado.

Você acredita que a história da gastronomia tem vivido uma nova fase no mercado editorial brasileiro?

Sim. Estamos vivendo um boom dos livros de gastronomia há 10 anos. O mercado editorial segue tendências. A tendência é: as pessoas querem consumir mais cultura gastronômica. Antigamente ele seguia tendência das pessoas consumirem informação de receitas para caráter doméstico. Antes a demanda era: o que eu vou cozinhar em casa? Hoje as pessoas não querem cozinhar em casa, mas sim ter experiências gastronômicas em casa - elas podem ser sensoriais ou imaginativas. O leitor é um coadjuvante imaginativo. Os livros de gastronomia estão se livrando de um caráter prático para assumir um caráter cultural, lúdico, emotivo e criativo.