Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Capista Raquel Matsushita expões os desafios da profissão

Em entrevista ao Correio, a artista revelou a responsabilidade da profissão



"A capa do livro é algo altamente valioso, já que carrega a responsabilidade de representar o texto", afirma a capista Raquel Matsushita. Em entrevista, ela debate os caminhos arriscados do trabalho, que, além de estético, tem que ser fiel à história e à proposta do autor.



Como é a rotina de uma capista de livro?
Diria que a rotina de um capista consiste em 90% do tempo dedicado à transpiração e 10% à inspiração. É preciso desmistificar o falso conceito de que a criação acontece como um passe de mágica. Não, ela é um processo. O primeiro passo de um capista é ler o livro e, caso haja necessidade, pesquisar para um aprofundamento no tema. Depois desse embasamento é que vem a criação. A leitura e a pesquisa funcionam como um antídoto para ideias superficiais, aquilo que é o lugar-comum.


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Quais os maiores desafios que você enfrenta para produzir uma capa?
Existem vários tipos de desafios. Há o desafio de criar para um tema desconhecido; de elaborar conceitos visuais surpreendentes; de utilizar as novas tecnologias (no caso do e-book, por exemplo), de projetar com orçamentos reduzidos. Até o prazo de execução de um trabalho pode ser um desafio. Considero os desafios bem-vindos, pois são uma oportunidade de repensarmos soluções, nos mobiliza a sair da zona de conforto.

Como é o seu contato com o autor para chegar até o resultado final?
Na maioria das vezes, o editor faz a ponte entre mim e o autor. O meu contato acontece, portanto, com o editor, que faz essa mediação.

A capa é a primeira, e talvez a única imagem que o público tem de um livro. Você considera que sua arte é valorizada?
A capa do livro é algo altamente valioso, já que carrega a responsabilidade de representar o texto, além de instigar e atrair as pessoas para a leitura. Segundo o designer Chip Kidd, “o designer de livros deve ser, após a leitura do texto, um intérprete e um tradutor deste.” Portanto, o designer é um tradutor visual das palavras.
Sim, acho que, cada vez mais, as pessoas se dão conta da importância do design, seja de capa de livros ou de qualquer outro setor. Além do valor estético, o design possui também um valor de negócio: o bom design vende mais. As pessoas estão mais conscientes da importância do valor do design, o que estimula uma melhor formação dos designers, que, por sua vez, fazem design de maior qualidade. É um círculo virtuoso.

A produção de capas no Brasil tem alguma característica em comum?
Não vejo nenhuma característica específica do Brasil em nossas capas. O que vejo são tendências que influenciam o mundo todo. Por conta da tecnologia, há uma grande interação de ideias e muita experimentação na área do design gráfico. O mercado de livros, em todo o mundo, é um mercado limitado em termos de orçamento. No Brasil, acho que essa limitação é ainda maior. Sendo assim, os capistas devem abusar da criatividade para criar (e não se acomodar) dentro desse limite orçamentário. Lá vai mais um desafio.

Qual a fórmula, se é que ela existe, para uma capa perfeita?
Ao meu ver, a fórmula perfeita é combinar estudo, dedicação, aperfeiçoamento, profissionalismo, criatividade, e, claro, uma boa dose de paixão. Misture tudo com persistência, se o prazo permitir, deixe a massa descansar por um dia antes de moldar. Em seguida, faça os pequenos ajustes e envie para a gráfica. Por fim, compartilhe com todos o que sai quentinho do forno. Parafraseando Robert Bringhurst: “A boa tipografia é como o pão: pronto para ser admirado, louvado e repartido antes de ser consumido”. Estendo isso também ao design de livros.

Quais os designers de livro que mais te inspiram?
São tantos. Vou citar alguns: gosto muito da maneira que Herb Lubalin e Neville Brody usam a tipografia. Adoro as capas de Chip Kidd, Chin-yee Lai, dos infantis de Katsumi Komagata e de Bruno Munari. Admiro as linhas de construções dos modernistas Massimo Vignelli, Wim Crowel, assim como a liberdade de Saul Steinberg e a pós-modernidade de Paula Scher, Milton Glaiser, David Carson. Pra falar um pouco de Brasil, me encanta a época fervorosa de Aloísio Magalhães, no design de livros da gráfica particular O gráfico amador. A influência concretista de Alexandre Wollner. Vitor Burton, Moema Cavalcanti, Guto Lacaz, Kiko Farkas, Rico Lins… A lista é grande, tem muita gente boa.