Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Sambista de 81 anos faz apresentações e improvisos pela cidade

O mineiro Carlos Elias é cantor, compositor e dançarino, além da marca registrada: a alegria contagiante



Para qualquer música, o período do auge um dia acaba. Porém, um encontro inusitado, daqueles que faz você pensar se foi sorte ou Deus, deu um novo empurrão para prolongar o sucesso do samba. "Um dia fui ao barbeiro e do meu lado estava outro camarada fazendo barba também. Disseram que ele era da rádio Tamoio e nos apresentaram. Ele ficou surpreso em saber que Canção da primavera era minha. Ele fazia a seleção da músicas que iriam tocar no programa. Colocou a composição para tocar de novo no rádio", revela sobre o encontro que lhe rendeu algumas alegrias.

"Me acordo e abro a janela
Sorrio e me sinto feliz
A primavera chegou
Trazendo quem eu sempre quis
Há nos jardins tantas flores
Na paisagem mais cores
Paira no ar um aroma de felicidade"
Trecho da música Canção da primavera, de Carlos Elias

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Temporada francesa

A casa noturna parisiense Favela Chic é o cenário das histórias do terceiro dia da série sobre o cantor, compositor, dançarino e agitador cultural Carlos Elias. Era 1997, quando Carlos, então funcionário do Itamaraty, foi transferido para França. Depois de passar pelo consulado brasileiro em Marselha, ele foi trabalhar na embaixada em Paris, cidade que marcou sua temporada no exterior. Ao ser questionado como é que a Favela Chic entrou na sua vida. Responde sem hesitar: "Não entrou. Fui eu quem entrei nela".

"Andava muito na noite, mas não conhecia a casa. Já tinha ouvido meus filhos falarem do lugar, mas, uma vez, de dia, resolvi procurar onde ficava. Era numa ruazinha apertada e parecia um bar comum, como qualquer outro. Não me atraiu. Passou um tempo e se mudaram para outro local, mas também não era bom. Foi na sede maior que conheci o pessoal. Era um salão que cabia mais ou menos umas 160 pessoas", recorda.

Ele relutou por alguns meses até dar o braço a torcer para a curiosidade. Escolheu um dia em que exibiriam um filme brasileiro. A ideia era trazer do cinema o tema para a apresentação musical da noite. "A primeira vez em que fui lá um grupo de forró tocou. Como costumava andar de terninho, naquela época, estava usando gravata. Me barraram na entrada, por que o clima do lugar era bem descontraído;, conta rindo da exigência boba que impediu funcionários da embaixada de entrarem. ;Eles não quiseram tirar, mas eu tirei", completa.

Carlos sempre quis dançar tanto que, na época que morou no Rio de Janeiro, fez 35 aulas (depois de ler o instigante cartaz que dizia: ;Quantas oportunidades você perdeu por não saber dançar?;). "Tinha bolero, chá chá chá, essas coisas. Como era muito tímido ficava com vergonha de tirar aquelas damas e elas não conseguirem acompanhar os passos que fazia. Não queria arriscar. Pensei que as aulas não tinham valido de nada".

Na Favela Chic, a paixão pela dança veio com toda força. Lá conheceu figuras comuns e famosas Entre elas, uma atriz pornô ; cujo nome não foi revelado. "Tinha umas mesas comunitárias enormes, com pessoas de todos os cantos. Era uma mistura". Entre uma conversa e outra, Carlos sugeriu que ela deixasse os filmes para cantar, e até compôs uma música para que ela interpretasse: "Quero me entregar a você/Amar e me fartar de prazer/Viver/Vale a pena viver/Só se for para amar você".

A temporada na França terminou em grande estilo. O bom-humor e a desenvoltura nos palcos levaram Carlos Elias para o mundo da moda. Em 2003, o artista desfilou para o estilista japonês Yohji Yamamoto, sob vários aplausos.

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Nem só de samba vive o homem
A série sobre o multi-artista Carlos Elias, no Correio Braziliense, chega ao fim hoje, porém, as histórias sobre as andanças do portelense serão registradas no livro Samba, humor e poesia, ainda sem data de lançamento. Para publicação, faltam poucos detalhes e patrocínio.

A trajetória de Carlos começa ainda criança, quando ele se muda para o Rio de Janeiro. Na capital fluminense, ele faz história da Portela, escola de samba do coração. Integrante da Ala de Compositores da azul e branca, venceu, em 1968, a disputa de samba-enredo com Rugendas ; Viagem pitoresca através do Brasil.

"Certa vez, me aborreci na agremiação. Durante o ano todo tinha por volta de 20 compositores, mas no carnaval apareciam umas 60 pessoas na ala. Eu, Paulinho da Viola e o Candeia pensamos em uma estratégia para eliminar isso. Bolamos um festival de samba de terreiro. Quem tinha qualidade entrava para a ala", conta em tom diplomático.

Mesmo tentando contornar os dissabores que o problema anunciava desde o início, o desfecho do episódio veio com uma briga. "Tinha um sujeito que queria entrar de qualquer jeito. Houve uma discussão. Estava usando uma camisa bacana que foi bolada especialmente para a nossa ala. Tirei e joguei no chão. Sou um cara tranquilo, mas fiquei com muita raiva", lembra.

Coincidência ou não, na época, Carlos Elias havia escrito Protesto de sambista, um samba sobre o desgosto que sentia com a direção da escola. "Seu presidente por favor não leve a mal/ Mas não pretendo sair com a escola este carnaval/ A minha ala anda muito descontente e decadente/ E ninguém está dando bola", dizia a letra da canção. Ficou sem frequentar a quadra da Portela por alguns anos. Recentemente, ele voltou a desfilar na escola.

O então funcionário do Itamaraty foi transferido do Rio para Brasília, em 1977. Depois de morar no exterior, Carlos voltou para a capital federal em 2003, de onde não saiu mais. "No Clube do Choro conheci Leandro Borges. Ele queria me emprestar uma homenagem e decidiu gravar o documentário De bem com a vida ; Carlos Elias e o samba em Brasília, como trabalho final da faculdade. O filme ganhou nota máxima pelos professores", recorda.

De bem com a vida também foi exibido na 43; edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2011. "Na época, o Cine Brasília não tinha projetor digital, e o filme só foi exibido na Sala Martins Pena e no Centro Cultural Banco do Brasil. No dia da premiação, só eu e o Leandro fomos para a cerimônia. Quando anunciaram o vencedor do prêmio Marco Antônio Guimarães (conferido ao título que melhor utiliza material de pesquisa cinematográfica brasileira) não sabíamos como reagir. No palco, foi uma rasgação de seda: um elogiando o outro".

Além do livro, a produção de uma trilogia de curtas-metragens ; baseados em músicas próprias e de Nelson Cavaquinho ; está nos planos de Carlos, que chegou a fazer um curso de roteirista com o cineasta Sérgio Moriconi.

Se encontrar Carlos Elias pelas rodas de samba da cidade, faça uma reverência. Não que combine com a humildade e simplicidade que carrega o corpo enfraquecido pela idade, mas é o cumprimento a altura do seu legado para a história de um dos ritmos mais populares do país. Nas letras singelas, mostrou o seu amor pela música. Já com os passos alternados ora pela cadência da bateria ou pela caminhada da vida ganhou respeito de todos.

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