[SAIBAMAIS]Em meio a esse turbilhão de tendências e opiniões conflitantes, autores pernambucanos constroem ; cada um a seu ritmo ; caminhos para o amadurecimento literário e o encontro com o leitor. Há quem já seja reconhecido na poesia e só recentemente passou a investir no romance. É o caso de Micheliny Verunschk, que lança, nesta quinta-feira (16/10), a primeira narrativa de fôlego mais longo, Nossa Teresa - vida e morte de uma santa suicida (Patuá, R$ 30).
Trajetória semelhante teve Wellington de Melo, cujo romance de estreia, Estrangeiro no labirinto (Confraria do Vento, 2013), foi escrito ao longo de sete anos, em concomitância com a produção poética. "Romance exige muita disciplina. Tudo o que você vive, traz para o que produz, incluindo a experiência com outros gêneros. Sem disciplina, a escrita pode se tornar um pesadelo".
Outro gênero literário supostamente "menor", o conto foi por muitos anos o porto seguro de Marcelino Freire, até a publicação de Nossos ossos (Record, 2013), estreia premiada com o Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional. Sem se dizer pressionado ou interessado na repercussão mercadológica, o contista petrolinense Bruno Liberal também começou a escrever o primeiro romance. "É um desafio pessoal. Após quatro livros de contos, busco mais fôlego para uma história com mais peso, volume e complexidade".
Vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura com Olho morto amarelo (2013) e autor de outros três livros de contos, Bruno considera essencial o escritor se sentir confortável com o gênero. "Não pode ter visão pragmática em função do que seja melhor para a carreira. É justamente o contrário. Primeiro escreve, depois vê como ficam as coisas". Para ele, o preconceito com os livros de contos também é reflexo de um desconhecimento do público. "Quando fui lançar meus livros, amigos meus vieram perguntar o que eram aquilo. Se eram contos eróticos, contos infantis... As pessoas não sabem se situar dentro do gênero".
Há também quem enxergue na poesia e no conto um porto seguro capaz de abrigar quaisquer inquietações literárias, sem a necessidade de abraçar outro gênero. Finalista do Jabuti e do Prêmio Portugal Telecom com o livro de contos Entre moscas (Confraria do Vento, 2013), Everardo Norões - cearense radicado em Pernambuco - acredita que "o mercado editorial persegue o romance, minimiza o conto e ignora a poesia".
Explorar
Para Everardo Norões, poemas deixaram de ser lidos tanto por alunos quanto por professores. "A gente está dominado por uma linguagem de comunicação. Precisamos explorar a literatura de verdade". Wellington de Melo, que também edita o selo Mariposa Cartonera, completa: "O erro do mercado é vender poesia como se fosse romance, ou ignorar as características do leitor de contos. Há muita preguiça no mercado editorial. E vício por lucro fácil".
Listado pela Revista Granta entre os melhores jovens escritores brasileiros, Cristhiano Aguiar mantém dois romances inacabados. "É verdade a resistência do mercado editorial em relação aos contos, embora nem sempre isto seja dito diretamente. Apostaria que entre um livro de contos e um romance, um editor sempre receberá com maior abertura um romance, no entanto também seria falso dizer que as editoras não se interessam pelo gênero. Quem sabe, é preciso mudar, no caso de alguns lugares, o modelo de negócios". Ele cita como exemplo a coleção Formas Breves, que vende, em formato digital, contos de escritores contemporâneos.
Para o escritor paraibano radicado em São Paulo, o conto é um gênero muito fecundo e abriga algumas das melhores obras de autores como Machado de Assis, Clarice Lispector e Nelson Rodrigues. "Considero Papéis avulsos (de Machado) tão relevante esteticamente quanto Dom Casmurro; Laços de Família (de Lispector) é um livro tão importante quanto A paixão segundo G.H.", defende Cristhiano Aguiar. "Há brilhantes autores que se dedicaram só ao conto, como Dalton Trevisan, Jorge Luis Borges, Felisberto Hernández", finaliza.
Duas perguntas para Micheliny Verunschk
Como foi a transição da poesia para o romance?
Quando me veio a história, percebi que uma narrativa curta não daria conta do que eu gostaria de explorar, do que meu narrador tinha a dizer. Optei por um exercício mais longo, e vi que daria um romance. Claro, isso tudo mediado por recursos da poesia, como a música e o ritmo. Foi desafiante porque não quis perder as características da narrativa, transformá-la em prosa poética. (...) Na minha experiência pessoal, o caminho está bem trilhado. Publiquei esse primeiro romance na hora em que me senti pronta para isso. Se tivesse começado a carreira com um romance, talvez não estivesse pronta.
A poesia e o conto podem servir como preparação ou laboratório para um romance?
Não acredito muito nisso. As pessoas que trabalham com a palavra vão transitar naquilo que as interessam. Claro, a poesia me deu vários elementos para escritura do romance. Mas não necessariamente como um degrau, como um cavalete de ginasta que é ultrapassado. Acho que isso tudo faz parte do meu universo de trabalho com a palavra. Escrever um romance é mais uma experimentação nesse ofício.