Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Cantora Gaivota Naves fala sobre o cenário do rock brasiliense e nacional

A vocalista da banda Rios voadores tem se destacado na cena local


Com apenas 1,50m de altura e 26 anos, a cantora Gaivota Naves parece inofensiva, mas se torna um gigante em cima dos palcos. Integrante da Rios Voadores, uma das mais promissoras bandas brasilienses de rock dos últimos tempos, ela chama a atenção, tanto pela voz quanto pela performance enérgica e cheia de atitude. Metade sergipana, metade brasiliense, a artista também é dona de uma personalidade forte e de uma sensibilidade única. Nesta conversa ao Correio, Gaivota fala sobre a sua iniciação na música, a história com a Rios Voadores, o encantamento com o som dos anos 1960 e 1970, a relação com Brasília e os planos.




Como a música entrou na sua vida?
Eu sou cria de avó. Minha avó cantava maravilhosamente bem. Canta até hoje. E eu lembro que ela me botava pra dormir cantando boleros. Quando eu escutava Una noche tibia (Recuerdos de Ypacarai), eu saía correndo pela casa. Sempre fui muito elétrica, muito hiperativa e não gostava de dormir. Sempre tive muito essa recordação de pequena, de ela cantando numa cadeira de balanço e eu no colo dela. Foi com ela que eu me encantei pelo canto. A música sempre esteve comigo, mas nunca tinha sido minha profissão. A minha profissão inicial era atriz, a minha menina dos olhos, a coisa mais pessoal, mais de coração.

E como Brasília influencia na sua arte?

Brasília é tão morna, tão parada, que ela me obriga a ser elétrica, hiperativa, louca, e ao mesmo tempo brincante e lúdica. Ela me faz virar criança de novo, trazer essa coisa de tentar olhar por outro ângulo, dar uma cambalhota. Trazer essa coisa mais leve, né? É cara crachá todo dia, novela, Rede Globo na cabeça. Brasília me obriga a não parar, porque se parar é decretada a morte desse lugar lindo. E não sou só eu que penso assim. Tem várias pessoas das artes que sentem que é preciso se mover, porque, se a gente não se mover agora como juventude, a cidade vai parar.

O que você acha do rock brasiliense hoje?
Acho ótimo. É um rock realmente diferente. Bem legal. No Sul, tem uma influência mais mod, dos ingleses. Em Minas, tem uma coisa mais rock rural, Sá e Guarabyra, Clube da Esquina, Som Imaginário. E, em Brasília, como todo mundo veio meio de fora ; apesar de terem nascido aqui, as famílias são de fora ;, você pega um tiquinho de cada um e faz uma misturinha boa. Tem o pessoal do instrumental que é inacreditável. O Satanique Samba Trio, que pega o chorinho tradicional (Brasilia é a cidade do choro, né), e revisitam numa coisa muito esquisita, meio satanista, meio louca, e também com influências do jazz; Tem o Corina, que é uma coisa mais pro rock rural, pega coisa do Raul, do rock baiano. O interessante daqui, o que diferencia a gente, é essa mistura mais evidente, o hibridismo está comendo solto.

E as comparações com os Mutantes? O que você acha?

Nossa, eu acho ótimo. Só não gosto que me comparem com a Karina Buhr (risos). Eu especificamente não curto, mas respeito, acho que ela faz bem. O negócio é que a gente não faz nada parecido e, só porque a gente é meio doida no palco, o povo fica dizendo: ;Você tem que ver o show dela;. E respondo: ;Eu já vi o show dela. Fala pra ela ver o meu show!”. Nós deixamos bem claras as nossas influências ; Rita Lee, Mutantes, Secos e Molhados ;, mas ao mesmo tempo não somos nenhum deles. Nem cover deles. Acho que a gente conseguiu ter a nossa personalidade.

Como são suas letras? Mais intimistas, mais observadoras?
Sempre tem um fundo de mim, mas eu acho que está mais no geral, que todo mundo sente, não me pertence só. Quando sai é porque está me incomodando mesmo. Praça central fala dessa dormência de Brasília, porque a cidade é linda e maravilhosa, mas é um lugar que cria muita solidão. São muitos dragões. A gente tem vários amigos, mas às vezes você passa três meses sem ver uma pessoa que é extremamente íntima de você. Ela acaba gerando várias pendências. Geralmente, quando eu escrevo, são desejos meus mas que eu sei que cabe a todos. Brasil de ponta cabeça é bem simples, mas é sobre o desejo de não estar presa. É tipo um grito: ;quer saber, eu não vou estar mais presa a esse emprego que me amarra, esse relacionamento que me amarra;. O eu-lírico é uma menina que decide largar as coisas e não liga mais. É como se ela tivesse viajando de ônibus, vendo a estrada passando e pensando ;é isso mesmo, meu caminho é esse. Não está dentro do que sempre foi proposto;.

Qual foi o impacto da mudança de Sergipe para Brasília?

Minha família se mudou do nada. É muito diferente porque no Nordeste tem essa coisa de você nunca ter visto a pessoa e te tratarem como íntimo. Brasília é uma cidade muito difícil. Se você não tiver uma obrigatoriedade social, uma escola, um curso, um trabalho, você não conhece ninguém. Então foi bem difícil chegar aqui e conseguir me adaptar. Até porque rola preconceito com nordestino. Apesar deu ter nascido aqui e me mudado pra lá com 3 meses. Mas hoje eu sinto que sou desses dois lugares do mesmo tanto, os dois me formam como pessoa. Por isso que eu sou assim meio louca. Tem essa coisa do Nordeste que ainda está muito em mim, e essa necessidade de pegar fogo que o cerrado tem, de se renovar. Necessidade desse céu, desse silêncio às vezes. A primeira vez que eu vi um ipê eu quase tive um troço no coração. Nunca tinha visto coisa mais linda.

O que você espera do futuro? O que sonha como artista?
Espero chegar ao máximo que der. Eu não sei qual é o limite. Fico tateando meio cega, ao acaso. Mas eu espero que, daqui a uns anos, Brasília esteja fervilhando. Que as pessoas queiram quermesses culturais embaixo das quadras, que elas brinquem mais nas ruas, que valorizem as bandas de Brasília, vão nos shows e cantem junto, e que a gente consiga engolir, antropofagizar a nós mesmos e a nossa cidade. Eu nunca penso individualmente, eu quero o coletivo, eu quero todo mundo junto. Quero que exista um bloco cultural de fato, unido, e que a gente consiga ter visibilidade nacional e se manter e viver dessa arte, porque cultura é tão fundamental quanto feijão, arroz, saúde e educação. Que a gente consiga dar valor ao que é nosso.

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