Agência France-Presse
postado em 05/09/2014 17:03
Veneza - A corrida pelo Leão de Ouro do Festival de Veneza termina nesta sexta-feira (5/9) com um polêmico filme sobre a "guerra limpa" dos Estados Unidos, dirigido por Andrew Niccol, que decepcionou os cinéfilos.O último dos 20 filmes indicados, protagonizado pelo famoso ator texano Ethan Hawke, "Good Kill", foi rotulado como "clássico americanizado", porque o personagem mau se redime no final, carregado de bons sentimentos após ter obedecido ordens injustas.
Hawke, no papel de Tommy Egan, é um ex-piloto de caças F16 no Iraque que agora trabalha com aviões não-tripulados, ou drones, de uma confortável cabine no meio do deserto de Nevada. De sua localização dispara com ordem da CIA mísseis reais contra a Cruz Vermelha, crianças e civis nos mercados, todos considerados simples "danos colaterais" de uma guerra necessária contra rebeldes e extremistas muçulmanos, na qual não arrisca nem um centímetro de si mesmo.
As dívidas éticas provocadas pelo uso de novas tecnologias na guerra, tema muito em voga atualmente - basta ler os jornais -, são a chave do filme de Niccol, que perde boa parte de seu impacto devido ao final feliz. "Acredito que o filme se limita a mostrar a complexidade do assunto, sem tomar partido de um ou outro lado", disse Hawke durante a entrevista coletiva em Veneza.
Para a realização do filme, que não contou com a colaboração das autoridades americanas, o ator entrevistou vários ex-pilotos de drones. "Estão criando mais terroristas do que estão matando?", pergunta-se o diretor, que teve o filme vaiado durante a exibição para imprensa.
Abrir o debate sobre os drones
A edição de 2014, que termina no sábado com uma cerimônia no Palácio do Cinema, foi marcada por filmes fortes sobre a guerra, mostrando que a realidade e os conflitos atuais em várias partes do planeta afetam os artistas.
"Estamos diante de uma arma muito eficaz, mas que gera muitos problemas morais", reconheceu o diretor, que não incluiu no filme indiretas contra a política americana ou nem mesmo o presidente Barack Obama.
"Desde quando nos tornamos o Hamas?", lamenta o copiloto de Tommy, que se pergunta com notável ironia sobre a política do Nobel da Paz.
O diretor de "Gattaca -Experiência Genética", "O senhor das armas", "O Preço do Amanhã" e "A Hospedeira", e roteirista de "O Terminal", de Steven Spielberg, não quis descrever "o bom e o mal" da guerra, insistiu.
"Estamos diante de um tipo de guerra nova, com soldados que podem combater 12 horas consecutivas sem descanso", diz o cineasta, lembrando que, além de militares bem treinados, os EUA recrutam jovens especialistas em videogames.
Enquanto em Veneza foi aberto o debate contra os drones e a chamada "guerra limpa", a Guerra Fria parece enterrada no filme do diretor russo Andrei Konchalovsky, ambientado em uma região perdida da ex-União Soviética, um retrato poético da Rússia de hoje em dia.
"The Postman White Nights" conta a vida dos moradores do lago Kenozero, através de um carteiro.
[SAIBAMAIS]Konchalovsky, irmão do diretor e ator russo Nikita Mikhalkov, filma os habitantes reais, em suas casas simples, como uma forma de homenagem carinhosa a uma geração destinada a desaparecer, afogada pela chegada das novas tecnologias.
O filme termina com a decolagem de um foguete russo atrás de montanhas em uma referência às duas Rússias: uma rural, lenta e quieta, e outra tecnológica e poderosa.