O teatro entrou na vida de Marília Pêra quando ela ainda era pequena. Filha de pais atores, a menininha chorava quando tinha de trocar os palcos pelo colégio interno. E foi nessa época, perto de grandes nomes da dramaturgia brasileira, como Dulcina de Moraes, Procóprio Ferreira e, principalmente, Henriette Morineau, que Marília cresceu e se transformou em uma diva do teatro, que brilha também na tevê e no cinema. Afastada das luzes por causa de um problema ósseo no quadril, ela retoma aos poucos os projetos. Como a direção da peça Callas, com Silvia Pfeifer e Cássio Reis ; em cartaz hoje no Teatro Ulysses Guimarães, da Unip.
A senhora começou a gravar novelas em 1965 e sempre foi destaque nos palcos. Como resumiria sua carreira? Em uma palavra como define ;atuar;?
Comecei no teatro aos 5 anos fazendo Medeia, uma tragédia grega, nasci e cresci acompanhando meus pais ; Manoel Pêra e Dinora Marzulo Pêra ;, minha avó materna Antônia Marzullo e meu tio Abel Pêra. Eu me formei bailarina, fiz aula de canto e violão. Também estudei piano durante 10 anos. Meu pai tinha o desejo que eu me preparasse. Atuar é realizar o que eu vi durante toda a infância, com meus pais e avós fazendo teatro. Gostava muito de vê-los atuando e entretendo o público com refinada qualidade. Gosto de fazer as pessoas entrarem num outro mundo. Há toda equipe envolvida trabalhando em uma peça, porém são os autores que fazem o verbo, são os verdadeiros contadores e portadores de história.
Seu pai era 24 anos mais velho que sua mãe. Essa diferença de idade influenciou de alguma forma suas emoções no palco?
Havia uma guerra entre eles. Eles viveram juntos a vida inteira e houve um momento em que a diferença de idade pesou, ela moça e ele senhor. Havia muitos atritos, sentimentos confusos. Eles saíam daquela guerra em casa para fazer tragédias gregas e dramas psicológicos nos palcos. Ou seja, era a vida deles que ia também para o palco, segundo minha cabeça de menina. Isso, acredito, me influenciou de alguma forma. Mamãe era muito engraçada, e meu pai, dramático. Fui aprendendo os tons com eles. Do humor, da tragédia, do drama... As várias possibilidades. O que eu entendi com o tempo é que eles não tinham tempo para os sentimentos deles, tudo era só para os sentimentos dos personagens. E eu fui formada assim.
E Dulcina de Moraes? Como a diva do teatro entrou na vida da senhora?
Dulcina foi minha mãe teatral! Ela me influenciou muito! Sempre a via no teatro porque meus pais trabalharam com ela. Desde muito nova eu a via dirigindo peças. Desde quando ela começava a ler até depois, quando começava a dirigir. Eu a vi milhares de vezes em cena, da janela do cenário ou da plateia e dos balcões... Tinha uma peça chamada Doce inimiga, que ela saía de cena e vestia um bolerinho, de vez em quando eu o pegava da mão do camareiro e ia vesti-lo, ela era muito perfumada. Como meus pais não tinham companhia de teatro, eles ficavam um pouco na empresa da Dulcina e do marido, Odilon (Azevedo), da Eva Todor ou do Procópio Ferreira; mas trabalhavam mais na companhia da Henriette Morineau. Ficavam um pouco desempregados, depois conseguiam trabalho. Era assimera que eles viviam.
Um desgaste ósseo no quadril a tirou dos palcos durante alguns meses. Como foi este período em que não pôde trabalhar no teatro?
Fiquei seis meses afastada. Em dezembro, começou a dor. Estou tomando remédios, mas a boa notícia é que não precisei passar por cirurgia. Isso me deixou muito satisfeita. Estou voltando a caminhar há um mês. Nesse período sem andar, pensei que não fosse mais caminhar. Parece milagre. Quem foi bailarina desgasta muito o osso. Fiquei de repouso bastante e ainda estou um pouco.
Em 1996, a senhora viveu a diva Maria Callas. Agora dirige a peça Callas, em cartaz este fim de semana em Brasília. Como é dirigir um espetáculo do qual já fez parte?
É diferente. Em nenhum momento, senti vontade de fazer Maria Callas novamente, mas senti muita vontade de passar o que aprendi para a Silvia (Pfeiffer). Mostrei os vídeos, as formas das mãos, o andar, o olhar, os sentimentos e a alma. O difícil foi dirigir (risos). Tive muita sorte de trabalhar com a Silvia e o Cássio (Reis) porque eles levam muito a sério, mas eu não tenho mais vontade de dirigir. Estou mais quieta, escrevendo livros.
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