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Clássicos relançados trazem um frescor para os romances literários

Quatro editoras apostam em reedições que trazem às prateleiras nomes e títulos inevitáveis da literatura mundial; confira



Somente a novela de Henry James, que até agora havia sido publicada apenas em coletâneas, não ganhou nova tradução. A Grua aproveitou uma tradução de Paulo Henriques Britto realizada para a Companhia das Letras, que cedeu os direitos para a coleção. Os outros três volumes ganharam novas traduções.

Leia a entrevista com Mônica Figueiredo

Qual a atualidade do romance de Eça de Queirós?

Acho que a atualidade da obra de Eça está garantida pelo que há em seus livros de humanidade. Explico melhor, creio que o leitor contemporâneo é capaz de perceber que a dúvida, a dor, a alegria, a esperança, ou o fracasso que fazem parte da trajetória de qualquer um de nós está humanamente recriada pelos caminhos e descaminhos das personagens do autor de Os Maias. Eça de Queirós, corajosamente, criou uma galeria de personagens que não se pode definir como heróica, no sentindo comum que o romance da tradição (principalmente o romance oriundo de uma certa vertente romântica) dava à figura do herói. O que comove em sua literatura ; e a mim, em particular ;, é saber que as suas personagens de papel são capazes de representar a falha que faz de cada um de nós, apenas seres humanos. Ouso dizer que é da vida de heróis falhados que trata a obra de Eça. Em tempo de crise de utopias como é o nosso, nada me parece mais atual e necessário. Saber de nossos pequenos limites, saber de nossas impossibilidades talvez seja o melhor modo de se continuar desejando e, digo mesmo, lutando pelo sonho de um mundo mais justo.

Que lugar Os Maias ocupa na obra de Eça de Queirós?


Sou professora de literatura e, como tal, deveria dar a você uma resposta canônica, do tipo: "Os Maias são o marco da maturidade literária de Eça de Queirós, uma vez que sinalizam o abandono das exigências da escola naturalista que até então norteavam seus dois primeiros romances ; O crime do Padre Amaro (1875) e O Primo Basílio (1878) ;, em prol de uma escrita mais autônoma e universal". No entanto, acho que a questão não se reduz a isto, uma vez que Os Maias são muito mais que uma prova de maturidade ou de filiação estética de seu autor, este livro é uma obra-prima e, como tal, sua dimensão não pode ser definida apenas por um ou outro aspecto. Para mim, como leitora crítica, Os Maias dão a Eça a segurança de ser ele, àquela altura (1888), um escritor de fôlego que levou quase dez anos a apurar a forma de um extenso romance que sequer chegou a ser o seu preferido. Acho que este livro permitiu que Eça de Queirós confiasse na sua capacidade inventiva, na sua verve irônica, na sua lucidez crítica, na sua capacidade de reflexão histórica, mas, fundamentalmente, ; e é isto que me comove ; fez crer que também ele poderia ser o criador de uma belíssima história de amor. Para mim, Os Maias serão sempre um discurso moderno sobre a fragilidade dos afetos e sobre a difícil condição de obedecer, a que nos obriga a vida em sociedade.

Retomando o que você diz no posfácio sobre o que seria um clássico, qual o diálogo produtivo que Os Maias é capaz de manter hoje?

Se pensarmos que o livro acompanha a trajetória de uma família por quase quatro gerações, apontando as mudanças sociais que transformaram a aristocracia do século XVIII na burguesia do século XIX, então, está-se diante de um livro que desvela as estruturas sociais que delinearam a fisionomia social mantida ao longo dos dois últimos séculos. Um grande estudioso da era vitoriana, Richard Sennett, corajosamente afirmou ainda no final do século XX: "o século XIX ainda terminou". Concordo plenamente com esta assertiva, e Os Maias são um registro preciso desta manutenção de valores. É preciso entender que ainda hoje ; e por mais que isto custe a muitos ; somos tão burgueses quanto foram nossos antepassados, sofremos as suas dores, ansiamos por seus desejos, obedecemos às mesmas regras, respeitamos os mesmos valores, trememos dos mesmos medos e ainda nos desiludimos com a ideia de que o progresso não foi capaz de solucionar muitos de nossos problemas. Quando, numa conversa dolorosa já quase ao final do livro, João da Ega e Carlos Eduardo da Maia admitem que "falhamos", o que desta afirmativa ecoa é, talvez, um verso de Caetano Veloso que no século XX intuiria: "alguma coisa está fora da ordem/fora da nova ordem social". Como se vê, pouca coisa mudou.

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