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Quem é Chico Buarque de Hollanda? Um sambista carioca? O homem que escreve sob o viés feminino? Aquele perseguido pela ditadura? O das letras que embasbacam pela poesia divina? Há vários substantivos para se referir a ele, criador plural. O aniversariante da semana (dia 19) ergueu um cancioneiro de cerca de 400 músicas, pelas quais têm ajudado a narrar aspectos importantes da história recente do país. O Correio selecionou seis personagens de suas músicas para tentar compreender os traços que fazem de Chico um dos compositores brasileiros mais geniais de todos os tempos.
O malandro e as minorias
;Mas o malandro para valer, não espalha
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal
Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe chacoalha, no trem da central;
Há uma figura constante no imaginário carioca, embora real. Aquele cara das calçadas da Lapa. O cara do barracão das escolas de samba. O mesmo que seduz as mulatas, com um hálito de cachaça na nuca. O traje branco impecável. O ar de vagabundo, sagaz e inquieto.
As pernas bambas, como de passista na avenida. O suor na testa secado pela toalha de bolso. Os olhos marejados pelo samba-canção de Cartola, que toca no fundo do bar. Ele que é respeitado nos morros, aconselha os amigos e abraça os mendigos. Bebe com as moças, fuma com os parceiros e reza no terreiro. Navalha no bolso, foto na coluna social e amizade na central.
Se ele trabalha, ninguém sabe. De dia, ninguém vê. À noite, impossível não perceber. Se o tal ;guri; crescesse, talvez, viraria esse cara. Que nasce no Rio de Janeiro, sem vocação para Pedro Pedreiro. Não se engane: todo carioca é brasileiro. E ele aparece no país inteiro. O desvalido. O perseguido. Preto, pobre, fedendo a Cashmere Bouquet e a conhaque. O malandro de Chico Buarque.
Maldita Geni
;De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada;
No musical Ópera do malandro, criado por Chico em 1978, Geni aparece como um travesti prostituído e marginalizado de uma pequena cidade. A ;rainha dos detentos; e dos ;moleques do internato; é aquela que ;dá pra qualquer um;, e por isso ;é boa de cuspir; e deve ser apedrejada, segundo a letra. A personagem é redimida quando se deita com um homem que surge em um Zepelim gigante e, prestes a exterminar a cidade, se apaixona por ela. ;Vai com ele, vai, Geni/Você pode nos salvar;, canta a população, em coro.
A saga de Geni registra o talento de Chico para contar histórias, mesmo que fictícias, e traz à tona temas tabus como homossexualidade e prostituição. Em uma simples canção, a partir de uma heroína toda errada, ;tão coitada e tão singela;, o compositor suscita discussões sobre preconceito, relações de gênero e poder e falso moralismo. As músicas de Chico ajudam a entender o tempo em que foram criadas; e, como se vê, mantêm uma vitalidade impressionante. Geni está entre nós.
Beatriz e a vida da atriz
;Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura;
A personagem não é unânime. Nem todos se seduziram por Beatriz. O próprio Chico demorou a concebê-la. Quando ela apareceu, em 1982, foi por solicitação. Edu Lobo pediu. E, como bom parceiro, Chico aceitou. Mas a recebeu sob outra graça: Agnes, uma equilibrista. Tudo culpa do poeta Jorge de Lima que, em 1938, escreve O grande circo místico. Lá, ainda era Agnes.
Quando o Balé Guaíra, do Paraná, pede uma montagem sob mesmo nome, Edu vai beber na fonte de Jorge de Lima. Chico prefere outra: Dante Alighieri. Assim, Agnes se torna a Beatriz de Dante, aquela do sétimo céu, da Divina comédia. Logo, tornaria-se a Beatriz de Chico, surrealista e gerada por um impulso psíquico. Isso até Milton Nascimento tomá-la para si, em definitivo.
Embora tenha sido emprestada a vozes competentes, como de Elba Ramalho e de Carlos Navas, Beatriz foi embalada na interpretação de Milton no disco de 1983 (o antológico O grande circo místico, como o poema de Jorge de Lima). Ali, descansou. Atriz? Triste? Ao contrário? Beatriz é quem ela quiser. Até equilibrista. Só não a chamem de Agnes.
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