Nana pediu Maricotinha, uma de suas composições prediletas do repertório do pai. O almoço tinha terminado havia pouco e Dori ficou com preguiça de pegar o violão. Acabou cedendo, diante do olhar ameaçador da irmã mais velha. Danilo, o caçula, estava distraído postando as fotos que tirara da reunião familiar nas “redes sociais” — que Nana nem sabe o que é. “Eu não quero socializar com mais ninguém. Foi-se o tempo”, bradou ela. Danilo não quis tocar a flauta, mas, para alegrar os irmãos, emprestou a voz, grave como a do pai, para a canção. Entre gargalhadas e taças de vinho, a música adentrou a tarde.
Esse foi o clima do domingo de Páscoa na casa dos Caymmis. Danilo e a esposa, Simone, receberam irmãos e sobrinhos no apartamento de Copacabana, no Rio de Janeiro, para celebrar a vida no último dia 20. Abril é cheio de datas especiais para a família, mas o de 2014 tem passado mais lentamente, banhado em água do mar e com os pés enterrados na areia da praia.
O patriarca do clã, Dorival Caymmi, completaria 100 anos de vida na próxima quarta, dia 30. As lembranças do pai, morto em 2008, rondaram a mente dos três filhos durante aquele almoço em que se festejava a ressurreição de Cristo. “Em geral, não rola música, mas deu vontade. Foi a saudade mesmo que bateu”, conta Stella Caymmi, filha de Nana e biógrafa do avô.
Caymmi viveu 94 anos e deixou cerca de 120 canções, com o detalhe de que praticamente todas vingaram. O compos
itor, nascido em Salvador, apesar do ar distraído, não perdia tempo com bobagens. Era precioso. Com seu violão descansado e o aconchegante vozeirão, cheirando a maresia, foi um dos artistas mais originais do século 20. O legado, contudo, transcende o cancioneiro. O valor da herança do artista reside, sobretudo, na família. Nana, Dori e Danilo já tinham o sobrenome, mas as doses extras de talento fizeram com que, cada um a seu tempo, sacramentassem seus nomes por conta própria na história da música brasileira.
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