Diversão e Arte

Aniversário de 450 anos de Shakespeare consagra a força do escritor inglês

Na cidade natal, Stratford-upon-Avon, a festa começou há algumas semanas, mas a catarse da programação ficou para hoje, com leituras, cursos e disputadas peças

postado em 23/04/2014 08:24

Livro da primeira peça do dramaturgo foi comprado por cerca de US$ 6 milhões em 2003
Shakespeare trabalhou com clichês, mas nunca se aproximou da possibilidade de ser um. Sendo, talvez, o autor ocidental mais encenado nos últimos séculos, a data redonda é um fetiche para movimentações comerciais, turísticas e diplomáticas, mas também é um estimulante para eventos artísticos, científicos e filosóficos;, decretou, logo de cara, o professor Fernando Villar, o mais recorrente nome do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília quando o assunto é William Shakespeare.

Assim, não há mal algum em celebrar o dia de nascimento (e, coincidentemente, de morte) do pai de Hamlet, Romeu e Julieta, MacBeth, e tantos outros. Na cidade natal, Stratford-upon-Avon, a festa começou há algumas semanas, mas a catarse da programação ficou para hoje, com leituras, cursos e disputadas peças.



Uma das anfitriãs será a badalada Royal Shakespeare Company (RSC), que figura entre as companhias mais conhecidas do mundo. Ao longo do ano, o grupo costuma entregar, pelo menos, 20 montagens baseadas nos textos do dramaturgo britânico. As produções envolvem cerca de 1.000 funcionários.

Em entrevista ao Correio, o produtor associado e diretor residente da RSC, Vik Sivalingam, lembrou os primeiros contatos com o escritor inglês: ;Eu era mais um estudante que não compreendia Shakespeare. Achava a linguagem difícil e não conseguia acompanhar a leitura. Foi um professor que inverteu esse quadro;, recordou o artista, que conta com mais de 25 anos de experiência.

>>Entrevista // Fernando Villar
Fernando Villar ao lado do ator inglês Daniel Copeland, em 1990, em Londres
Professor do Departamento de Artes Cênicas da UnB, Fernando Villar é considerado um dos principais nomes da capital federal aptos a falar sobre Shakespeare. Antes de adentrar o magistério, Villar conheceu de perto a obra do dramaturgo britânico por meio de alguns cursos realizados na Inglaterra, como no Drama Studio, onde conviveu, por exemplo, com a inglesa Emily Watson. Desde lá, conduziu diversos espetáculos, além de palestras e cursos acerca.

Não é um clichê comemorar os 450 anos de nascimento do britânico?
Shakespeare trabalhou com clichês, mas nunca aproximou-se da possibilidade de ser um. Sendo talvez o autor ocidental mais encenado nos últimos séculos, a data redonda é um fetiche para movimentações comerciais, turísticas e diplomáticas, mas também é um estimulante para eventos artísticos, científicos e filosóficos.

Tantos séculos depois, Shakespeare ainda é tido como o "maior dramaturgo da história". Uma prova da importância dele ou um indicativo de que não fomos capazes de produzir nada parecido desde então?
;O maior; para quem? Para qual época? Para qual sistema político-cultural? De qual história? Para muita gente Shakespeare pode ser ;o; grande dramaturgo, mas para muitos outros não. Dependendo de muitos fatores, pode ser Tchekhov, Beckett, Qorpo Santo, Ibsen, Nelson Rodrigues, Caryl Churchill, ou Pina Bausch, ou Daniel Veronese, Daniel Mclvor, ou mesmo para os mais jovens pode ser Mariano Pensotti, Grace Passô ou Leonardo Moreira. Há muitas outras poéticas ímpares e dramaturgias únicas que continuam sendo produzidas e tocando suas contemporaneidades, não?

Consegue pensar em algum diferencial maior que possa justificar tamanha reverência?
O imperialismo britânico foi um diferencial forte na exportação e uso do autor. A língua inglesa permanecendo poderosa com o fundamentalismo estadunidense também pode ser levado em conta. Talvez daqui a 100 anos, um autor chinês pode ser ;o maior dramaturgo da história; (risos), numa possível hiperpotência chinesa. Isso se o planeta não tiver proposto nada diferente e continuar nos joguinhos de poder que não servem a um planeta melhor para todos.

Com tantas montagens, qual a principal preocupação ao encenar Shakespeare?
A continuidade cinematográfica das diferentes locações das muitas cenas de cada peça de Shakespeare desafia toda equipe de encenação (direção, cenografia, iluminação, figurinos, maquiagem, sonoplastia, etc.). Mas o desafio principal é para os intérpretes. As palavras, o ritmo, a musicalidade, o foco, a verossimilhança e o fluir são desafios fortes, exigem muita maturidade técnico-criativa de atores e atrizes, para aproveitar a potência da escrita e dos personagens de Shakespeare e fazer uma ponte clara para o público contemporâneo, simultaneamente traduzindo além da língua e época, atualizando e irradiando a força da poética e a complexidade humana dos personagens. Temos exemplos lindos aqui no Brasil de êxito total em conseguir isso tudo, como o Ensaio. Hamlet da Cia. dos Atores (RJ), o Romeu e Julieta de Antunes Filho (SP) ou do Hugo Rodas no Gran Circular (DF), o Sua INcelência Ricardo III, dos Clowns de Shakespeare (RN) ou o igualmente especial Macbeth Mauser dos Guimarães (DF) ou os Sonhos de uma noite de verão do Ornitorrinco(SP), entre outros.

Você participa das polêmica em torno do nome dele, acerca da sexualidade, autenticidade de alguns textos... ?
Não, nunca me aprofundei muito. Nunca pensei que Francis Bacon pudesse ser o próprio e nenhuma evidência das que vi apagou o ator, autor e administrador de teatro que Shakespeare foi, experiência múltipla da linguagem teatral e suas diferentes funções que ele dominava e traduzia em suas peças. Me instiga a participação maior ou menor dos atores de sua Companhia na reescrita dos diferentes fólios com a obra completa. Quanto à suposta homossexualidade, heterossexualidade ou bissexualidade do nosso querido William, me diverte pensar o que ele diria de tais polêmicas hoje, anos luz da sexualidade renascentista que ele vivenciou 450 anos atrás. Mais contundente é o fato real que Shakespeare tem servido aos mais diferentes discursos, plataformas e performances de gêneros e sexualidades. Quase sempre pela diversidade e pela transformação.

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