Em entrevista ao Correio, Paula Lavigne falou sobre a nebulosa que ameaça a transparência na arrecadação e distribuição dos recursos dos direitos autorais. Lobão, do outro lado, criticou a organização do Procure Saber e uma suposta representatividade da classe artística.
LOBÃO
O músico assumiu o lado de oposição ao PLS 129/2012 e arrebanhou adeptos a críticas, principalmente no que diz respeito a proposta de criação de um órgão público para fiscalizar o Ecad. Em agosto do ano passado, quando se discutiu ardualmente a implementação do projeto de lei, Lobão escreveu carta contestanto e propondo a união dos contra a estatização do direito autoral. ;
Gostaria que falasse um pouco sobre as reações ao seu ponto de vista a respeito do projeto de lei;
Eu queria começar por uma certa ordem cronológica em relação ao meu saber ou não saber em relação a essa lei. Queria informar que eu não fui informado, fui pego de surpresa, procurei saber do que se tratava e, como a coisa aconteceu de uma maneira muito rápida, eu entrei em contato com os meus amigos, dizendo que eu queria saber do que se tratava. Então, a princípio, eu não sabia sobre isso e publiquei na internet que eu estava ignorante do fato e fui violentamente atacado por vários colegas. Paula Lavigne e outras pessoas que entraram no site e começaram a me atacar violentamente. Eu disse que não sei exatamente do que se tratava, para alguém me explicar. Assim como eu, nós recolhemos um abaixo assinado em 3 mil assinaturas de artistas que estão em uma situação similar a minha.
Então, houve um ataque?
Eu só procurei saber e fui atacado. A gente falou com todos os nossos antagonistas por ser uma questão de classe. Depois, eu li a minuta do MinC e fiquei estarrecido, principalmente com assuntos que dizem respeito não só a nós, como senhas, a possibilidade de ser de oposição, num governo absolutamente público e notório de reputações de dossiês falsos. Nós temos que pensar que essa lei, com toda a enxurrada de boas intenções que tem no seu bojo, ela tem pontos muito sombrios e de traços muito autoritários. Temos que salientar também a inconstitucionalidade da lei. Os nossos usuários deram muito apoio a esse grupo minoritário, que é o Procure Saber, uma meia dúzia de 30 e nós somos mais de 300 mil, dos quais 3 mil discordam dessa atitude autoritária. Eles permitem denúncias anônimas que incentivam a cassação da concessão do usuário. Existem lacunas em vários parágrafos. Quem vai pagar o corpo de funcionários? E por que nós vamos entregar o galinheiro à raposa? Não dá para entender quem é o beneficiário disso tudo. Afinal de contas, o Ecad não é perfeito, mas daí a entregar para o governo? Isso é um absurdo.
E quais são as suas principais críticas?
Inconstitucionalidade da lei: a coisa privada sendo interferida pela coisa pública. Depois que eu não sabia. Eu sou um cara envolvido com essas questões. Eu fiz questão de telefonar para todos aqueles artistas do Procure Saber, até porque, não são exatamente meus amigos, para mostrar não é uma luta de classe e não briga de rua. E saber que o governo estaria monitorando sua vida nos mínimos detalhes. Isso não tem cabimento. Quem vai gerir isso? O que o governo gerencia que a gente pode aplaudir? Nada. É um absurdo. Eu não sabia e quando procurei saber fui atacado por colegas, me chamando de nazista, de entreguista.
Por que acha que alguns artistas defendem a lei?
Pergunte a eles. Mas pergunte a eles porque meia dúzia de 30 pessoas se dizem no direito de representar uma classe de mais de 300 mil que discordam deles. Essas pessoas não nos representam. Eles podem dizer que o Procure Saber é uma auto gestão que se representa por si própria, ok. Então vamos discutir todo mundo. Nós queremos entrar na discussão. A maioria absoluta não está de acordo e quer entrar na discussão da estaca zero. A gente não quer esse tipo de lei. A gente tem todo direito de ficar indignado com esse tipo de atitude. Isso é uma falta de vergonha na cara.
O Ecad cumpre a função?
O Ecad tem mil defeitos; não tenha dúvida. Mas nós temos obrigação de aperfeiçoar um órgão privado e não pegar um órgão público para fazer revanche com um órgão privado. Isso é molecagem. Esse é um raciocínio pouco inteligente.
Paula Lavigne
Emancipada aos 17 anos para abrir uma editora musical com Caetano Veloso, com quem tem dois filhos e de quem é empresária, Paula Lavigne prometeu, durante a audiência pública, que falaria de sentimentos e não de coisas técnicas. E o fez. Leu uma lista com os célebres nomes dos associados ao Procure Saber que, segundo ela, são os maiores arrecadadores do Ecad.
Paula, o que de fato precisa mudar no modelo de gestão coletiva no Brasil?
São cinco pontos: transparência, eficiência, modernização, regulação e fiscalização.
Acha que as divergências no meio artístico em relação à lei são por falta de conhecimento?
Não houve divergências. Creio que houve um pequeno grupo que realmente, a princípio, estava construindo uma posição sobre o assunto e ainda estava reticente, pela complexidade do assunto ou por medo de represália do Ecad e suas sociedades. O que se pode perceber é que os grupos de artistas que se colocavam contra a lei durante sua tramitação, ou eram dirigentes das associações integrantes do Ecad, ou tinham todas suas despesas pagas para ir a Brasília, ao Congresso Nacional. Mas vejo que cada vez mais a classe artística está unida e favorável a lei. Quanto às dúvidas, até conseguirmos o que respondi na primeira pergunta, sempre irão existir.
Paula, por que acha que o Ecad tem um nível de rejeição tão alto, tanto da classe artística quanto da sociedade?
Em primeiro lugar, ele foi criado na ditadura, pela necessidade de controlar a receita dos artistas, o que já dá um peso ao órgão de estrutura militar. Mas nunca pensamos em propor acabar com ele, afinal foi criado a pedido dos artistas, mas sim acabar com a forma como o Ecad vinha trabalhando. A rejeição se deve ao fato dele ser percebido como abusivo quando cobra e obscuro quando distribui direitos autorais. O Ecad chega pesado nos usuários, mimetizando um poder de Estado que ele não tem. E pior, sem estar regulado pelo Estado, mas recorrendo à ele constantemente, já que seu modo de operação leva à extrema judicialização, que leva a um gasto muito grande da máquina. E como foi dito na audiência pública, não podemos esquecer das taxas abusivas e dos diretores no poder com tempo equivalente ao de ditadores. A posição do Ecad é a de "não quero intervenção do Estado, porque o Estado sou eu".
Com a proposta de fiscalização feita pelo Estado, há algum risco de deixar de ser uma gestão privada? Vocês têm esse receio?
Não, o Estado vai atuar quando e se necessário como faz em outros setores. O Ecad é a nossa casa, a gestão coletiva de direitos autorais continuará sendo privada mas regulada e fiscalizada pelo Estado. Isso porque é preciso, primeiro, corrigir a estrutura original pois o Ecad já nasceu regulado e fiscalizado pelo antigo CNDA (Conselho Nacional de Direitos Autorais) extinto no governo Collor de Mello e segundo, porque sem esta estância superior de mediação de conflitos, o autor não teria a quem recorrer a não ser ao próprio Ecad. Fica fácil concluir que os interesses dos dirigentes do Ecad vencem os interesses dos que representam. Menescal estava certo ao dizer na audiência pública no Supremo Tribunal Federal que a culpa é dos autores, era, mas nós acordamos e não nos distanciaremos mais da defesa do patrimônio criado pelos autores brasileiros.
Um dos pontos do PLS 129 diz que seria vetado o tratamento desigual dos autores por parte da sociedade. Esse tratamento diz respeito à distribuição (já que os membros do Procure Saber, como você mesma lembrou na audiência do STF, são os maiores arrecadadores do Ecad...)?
Também em relação à distribuição, pois ainda não conseguimos entender os critérios do Ecad para isso. Mas esse tratamento igualmente está associado ao poder de voto para que os autores elejam seus dirigentes. O que não acontece atualmente, já que as editoras multi-nacionais, em muitos casos, é que definem os quadros. Hoje o Ecad e as associações não oferecem a todos o mesmo tratamento e é isso que a lei vem coibir.
O que você tem a dizer sobre as críticas levantadas durante a audiência, especialmente a de que o Procure Saber é um grupo pequeno que não representa o todo da classe artística?
O todo é impossível, mas posso dizer que muitos. Tenho apenas que reler a lista de nomes que li na audiência pública e lembrar que faltaram muitos outros... Este é o tipo de crítica pronta, fabricada, feita exatamente para desqualificar a lei e a mobilização de uma classe. Além de muitos dos maiores arrecadadores do país - que poderiam perfeitamente não fazer nada sobre a situação já que estão em posição privilegiada e ainda sim lutam pelos direitos igualitários de todos - temos conosco novos artistas, grupos independentes, coletivos e organizações que sabem, como nós, que precisam lutar por seus direitos. Estamos recebendo muitos e-mails, de muitos autores interessados no assunto. Ainda não conseguimos nos organizar como queremos, mas é para isso que o Procure Saber existe, para ser um grupo aberto, para todos.
O anúncio da saída do Roberto Carlos do Procure Saber se deu no período de maior discussão em torno da autorização prévia para publicação de biografias. O que mudou com a saída dele, principalmente em relação ao Ecad (já que ele é considerado um dos maiores arrecadadores)?
Em relação ao Ecad, nada. Roberto Carlos continua apoiando a nova lei de gestão coletiva dos direitos autorais. Ele postou em sua página oficial no Facebook que segue apoiando a lei e concordando com nossos princípios.
Ao todo, quantos artistas estão associados ao Procure Saber?
Temos um mailing de centenas de artistas, que cresce a cada dia, muito interessados em todos os assuntos que estamos trabalhando. Mas como eu disse antes, ainda não pudemos nos organizar como gostaríamos, pois toda nossa diretoria é muito ocupada com esses grandes arrecadadores.
O que pretendem fazer em relação ao caso Sky (artistas se dizem prejudicados pelo valor pago pela execução de músicas durante a programação das emissoras de TV por assinatura. O caso foi levado à justiça em um processo que passou mais de oito anos em análise)?
Pretendemos pedir uma prestação de contas oficial para entender de que forma o acordo foi feito, como se chegou àqueles valores e, principalmente, como os recursos foram distribuídos. A partir disso nos reuniremos para decidir os próximos passos. Se chegarmos à conclusão de que a distribuição não foi correta, tomaremos as medidas cabíveis.
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