Entre melodramas pesados que trouxeram excessos (e nada de reconhecimento, em termos de estatueta) ; casos do recente Preciosa e de A cor púrpura (1985) ;, ou mesmo tratamentos polêmicos, poucos avanços foram sentidos. Com múltiplos destaques no elenco, houve filmes afinados no desejo de tocar em feridas e preconceitos, no caso de Histórias cruzadas (2011), Segredos e mentiras (1997), Imitação da vida (1959) e O que a carne herda (1949): todos eles versados no debate de estabelecimento e renúncias de identidades, por motivos ligados à cor da pele.
O próprio tema dos avanços e conquistas dos negros veio à tona, na valorização de caracterizações ligadas a ativistas da vida real, do porte de Steve Biko (ressaltado em Um grito de liberdade, de 1987) e de Malcolm X (no filme homônimo, feito há 22 anos). Até o marco da indicação da mais jovem atriz do Oscar (a negra Quvenzhané Wallis) ; no retrato de uma órfã batalhadora e autônoma, em Indomável sonhadora ;, muito do que foi valorizado faz referências a contexto de discriminações.
Numa esfera bem mais física e em quase nada destinado à contestações, os personagens coroados pelo gosto reinante entre o colégio eleitoral do Oscar, finalmente, apontam para jornadas de violência, tal qual a que pontua a luta do escravo Solomon Northup, em 12 anos de escravidão. Trilha acidentada e laureada com Oscar marcaram os personagens do ex-escravo de Tempos de glória (1990), escalado para a Guerra da Secessão, e o ditador de Uganda Idi Amin feito por Forest Whitaker, em O Último rei da Escócia (2007).
Quebrando padrões, na lista de prêmios criada a favor da indústria cinematográfica ; sempre inclinada a ressaltar negros como músicos e esportistas ;, tanto Don Cheadle quanto Djimon Hounsou (respectivamente, em Hotel Ruanda e Diamante de sangue) brilharam, na encenação de dramas monstruosos, mas relevantes e ligados à África. Housou, a favor de parentes refugiados de Serra Leoa e Cheadle como o gerente de hotel ; saído da vida real ; que arriscou a vida, defendendo minorias étnicas em Ruanda.
O filão dos esportistas
Will Smith (Ali)
Morgan Freeman (vencedor de prêmio, em Menina de ouro)
Cuba Gooding Jr. (ganhador do Oscar, em Jerry Maguire)
Denzel Washington (Hurricane: O furacão)
James Earl Jones (A grande esperança branca)
Na fuga de clichês
Carmen Jones
(1954)
Curiosamente dirigido pelo austríaco Otto Preminger, em versão de cinema (com elenco negro) criada a partir de musical da Broadway, o filme é um veículo à altura do talento de Dorothy Dandridge que, apesar de dublada, marcou terreno como primeira protagonista negra candidata ao Oscar.
Claudine
(1974)
Enfrentando o olhar atravessado reservado às "mães solteiras" dos anos 70, Diahann Carroll (cogitada ao Oscar) dá vitalidade para a mãe de enorme prole que está de olho num lixeiro interpretado por James Earl Jones.
Traídos pelo desejo
(1993)
Com narrativa alternada entre a Irlanda do Norte e Inglaterra, o longa de Neil Jordan tem no personagem Dil (feito pelo excelente ator negro Jaye Davidson) uma das maiores surpresas guardadas nos celulóides dos anos 90. Diante do efeito que ele causa nas telas, a trama, em torno de terroristas do IRA, parece até irrelevante.
À procura da felicidade
(2006)
Inspirador e comovente, num filme gerado pela verídica história de Chris Gardner, o ator Will Smith (perdedor da estatueta) dá um show como o vendedor perseverante que, em realidade de miséria, passa a gerar fortunas, atuando no mercado financeiro de Wall Street.
E, no Brasil?
Se na principal premiação americana o tema da etnia é polêmico, no Brasil não é diferente. Edileuza Souza recorda o caso de Gramado (RS), quando o presidente do júri oficial à época, Rubens Ewald Filho, menosprezou os oito Kikitos vencidos por As filhas do vento, filme protagonizado por uma família negra rica. "Foi uma decisão política", declarou ao Jornal do Brasil o crítico, que depois se desculpou pela declaração.
"Os negros parecem estigmatizados a alguns papéis", lamenta Edileuza, que diz esperar por tempos em que negros possam cavar espaço de igual para igual com os brancos. E diferencia: "Nos EUA, preto é preto e branco é branco. Aqui, com a ;democracia racial;, fica difícil definir, mas a imposição da Fifa (em trocar Lázaro Ramos e Camila Pitanga por Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima como apresentadores de eventos relacionados à Copa do Mundo) serve para nos fazer pensar sobre a questão", finaliza.