Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Peça de jovens atores escorrega ao adaptar obras de Nelson Rodrigues



Talvez mereça atenção da equipe a abordagem histriônica e caricata para alguns personagens, especialmente no primeiro bloco. É gritante o caráter controverso dessa escolha, em que os atores ainda não conseguem disfarçar o mal-estar: para demonstrar que Alipinho, de Noiva da morte, é afeminado, ele precisa passar batom em cena? Fácil, apelativo, caricato. A sutileza que marca elegantemente a obra do autor mandou lembrança.

E a troca de papéis femininos e masculinos, que funciona muito bem no potente monólogo de Pamela Alves para Anjo negro, vira piada na abordagem de Lucas Gomes para Alaíde, de Vestido de noiva. Se a primeira consegue desenvolver energia de fato masculina ; mesmo com os seios de fora ;, o segundo aposta no riso fácil para transformar Alaíde em uma travesti alucinada. Uma das maiores personagens do teatro brasileiro vira ;alívio cômico;.

Ao contrapor monólogos de obras distintas, a equipe poderia trabalhar mais para achar os pontos de conexão entre um e outro personagem. O diálogo que está posto em cena não faz sentido algum, na maior parte das vezes. Mário Luz e Giselle Ando conseguem bons resultados tragicômicos, mas é nítido o esforço, diante da não comunicação do desenho cênico.

Apesar dessas derrapadas, Óptica... aponta bons caminhos. Há momentos de verdadeiro impacto: o trágico fim do primeiro bloco (coroado com boa escolha de trilha sonora e iluminação), por exemplo. Os monólogos desconstruídos que colocam em cena trechos biográficos do Anjo Pornográfico são os pontos altos, em que os atores demonstram naturalidade invejável para os palcos ; incluindo Izabela Parise, que chega a comprar a proposta do histrionismo inicial como nenhum outro colega de cena.

Lucas Gomes, desta vez, responde por um dos melhores momentos do espetáculo, quando a voz de Nelson Rodrigues comenta a primeira montagem de Anjo negro: em 1947, a censura fez com que um ator branco tingido de preto protagonizasse o espetáculo. Em momentos como esse, Óptica ficcionista encontra dimensão concreta, de encontro verdadeiro entre o que é dito em cena e o que querem dizer os jovens atores, ansiosos com a vontade de se comunicar fazendo teatro.

Óptica ficcionista
Sexta e sábado às 21h, domingo às 20h. R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Teatro Goldoni (209 Sul), até 23 de fevereiro.