Diversão e Arte

Filmes produzidos e estrelados por indígenas ganham admiração nos festivais

A tecnologia atrai os jovens índios para a preservação da cultura e a reprodução de histórias de um universo riquíssimo

Ricardo Daehn
postado em 03/12/2013 08:29

O filme As Hiper Mulheres venceu o 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro na categoria Melhor Som

A sensibilidade das histórias e a relação mútua de aprendizagem entre índios e brancos ultrapassam as telas do cinema. Do simples registro cultural a filmes premiados, a ONG Vídeo nas Aldeias colhe a cada novo projeto os resultados despretensiosos que começaram a ser almejados em 1986. Os segredos do reconhecimento permeiam dois expoentes: um público mais interessado na questão indígena e um trabalho que transcendeu a experimentação inicial. O olhar do índio atrás das câmeras mudou o rumo da documentação dessa cultura.



;Eles entendem que o cara lá de fora, o branco, não vai ficar horas assistindo a um ritual que, para os indígenas, é importante. Têm uma vontade de mostrar para as pessoas da cidade algo em que se sintam mais representados, mas, ao mesmo tempo, que conquiste o interesse de quem é de fora;, conta Leonardo Sette, diretor do filme As hiper mulheres (2011) e colaborador por 10 anos na ONG. A tecnologia atrai os jovens índios para a preservação da cultura e a reprodução de histórias de um universo riquíssimo. Esse jovens cineastas em formação têm em mãos o poder do registro e a missão de quebrar alguns mitos dos povos indígenas.

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;A ideia básica da apropriação dos meios audiovisuais não mudou, mas a perspectiva do início sim. Tudo começou muito mais para mobilizar comunidades em torno de um discurso de um líder, de um discurso cultural, para ganhar volume e materialidade. Hoje, é um projeto em eterna reformulação;, conta o criador do Vídeo nas Aldeias, Vicent Carelli.

Três perguntas para Vicent Carelli

Vincent Carelli é antropólogo e documentarista, fundador do projeto "Vídeo nas Aldeias", que surgiu em 1986. O trabalho começado por ele influenciou diversos coletivos por todo o Brasil. Os vídeos produzidos são de grande importância para a manutenção da cultura indígena, aproximando-a cada vez melhor da sétima arte. Ele teceu elogios a respeito do filme O mestre e o Divino, do pupilo Tiago Campos (que foi seu aluno no projeto). "Eu gostei muito. O pessoal embarcou mesmo no projeto, entendeu todas as nuances", avalia. O cineasta também fez uma avaliação do trabalho da ONG e criticou a política brasileira para as questões indígenas.

Qual a importância desse trabalho para a manutenção da cultura indígena no Brasil?

O cinema indígena é muito importante. Este filme trata da relação de um índio com um "não índio;". É uma realidade complexa, sempre chega para gente de uma maneira maniqueísta. Ficar mistificando o índio é ruim. Teve muita crítica, dizendo que o filme endossava a missão dos cristãos. O filme, na verdade, não faz isso: simplesmente, é o retrato do momento histórico, quando os índios estavam morrendo e os missionários ajudaram. O mais importante é trazer à tona esta realidade indígena com toda a sua complexidade.

O que o "Vídeo das aldeias" trouxe de mais significativo até agora?

Produzir cinema sobre sua própria realidade é um processo de descoberta deles mesmos e de reflexão. Também é preciso criar essa ponte. Hoje, nós temos duas grandes missões. A primeira é chegar nas escolas. Esta lei que instituiu o ensino da questão indígena para o ensino fundamental e médio é um processo de implementação que vai durar um tempo, até formar um corpo docente que até então jamais tinha ouvido falar no assunto. É fundamental. E nós estamos discutindo com o Ministério da Educação, a distribuição de vídeos sobre o tema, que são atrativos para os alunos, com coletâneas feitas de guias didáticos. Em 2010, distribuímos 60 mil vídeos para 3 mil escolas. Queremos que o MEC assuma a distribuição para 40 mil escolas. Valorizar internamente a cultura indígena e estabelecer essa ponte com o público nacional são nossos objetivos.

E como analisa o panorama político a respeito da questão indígena?

Coisas terríveis estão acontecendo em Brasília e pouca gente está ciente da PEC 215. O indianismo vive seu pior momento na modernidade, acho que nunca teve uma afronta, um combate aos direitos dos indígenas como está tendo neste momento, em uma aliança da bancada ruralista, endossada por parte do governo. Isso é gravíssimo. Quando o governo dá uma afrouxada dessas, quando a (ministra-chefe da Casa Civil) Gleisi Hoffmann deu, isso repercutiu no Brasil profundo. Levar ao Congresso a matéria sobre a demarcação das terras indígenas é jogar o índio na boca dos leões. Justamente quem tem interesse nessas terras é quem vai votar a respeito.

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