"Uma das coisas mais interessantes na obra e na figura do Graciliano Ramos é que ele percebeu e fez como ninguém uma literatura de crítica social. E o fez de uma maneira única. Tem uma escrita muito peculiar, característica, marcada pela ironia, pela concisão e até hoje ainda soa moderno. Graciliano lutou ao longo de toda a vida para manter a liberdade de criação artística", observa o curador da Flip, o jornalista Miguel Conde.
A Flip não poderia ignorar o atual momento brasileiro e preparou uma programação extra sobre as recentes movimentações políticas que mobilizam o país. Conde acredita que, mesmo que as mesas adicionais não tivessem sido criadas, o assunto naturalmente iria surgir nos debates. No entanto, desde que os protestos começaram a pipocar pelo Brasil, a organização do evento passou a pensar em inserir o tema no evento. "Já tínhamos cogitado alterar a programação e abrir espaço para discutir o atual momento político. Nas novas mesas, teremos intelectuais, economistas e jornalistas especialmente para isso. Mas o fato de o homenageado ser um escritor marcado pela atuação política e vários convidados também terem essa preocupação favorece a inclusão", ressalta o curador.
Outro ponto forte da Flip deste ano é que, mais do que nas outras edições, ela terá convidados de fora do mundo literário, como o crítico de arquitetura da revista New Yorker, Paul Goldberger, que vai debater com o arquiteto português Eduardo Souto de Moura. Na área de cinema, os destaques são os 80 anos do documentarista Eduardo Coutinho, que participa de uma mesa-redonda, e Nelson Pereira dos Santos, diretor do filme Vidas secas, baseado no romance de Graciliano Ramos. A programação traz ainda a cantora Maria Bethânia, que participa de recital em homenagem a Fernando Pessoa, na companhia da professora Cleonice Berardinelli, uma das maiores especialistas na obra do poeta português. Conde destaca ainda a presença do historiador de arte T. J. Clark, que vai falar sobre o quadro Guernica, obra-prima de Picasso, também de forte conotação política.
Mas é claro que o foco principal é a literatura e a programação inclui nomes nacionais e internacionais de peso, como o escritor Milton Hatoum, que fará a conferência de abertura, na quarta-feira. Hatoum combinará relatos pessoais de seu encontro com os livros de Graciliano com uma discussão sobre a importância do trabalho do escritor não só para a literatura, mas para a cultura brasileira como um todo, incluindo o cinema e a política.
Internacional
Outras participações são as do poeta Tamim Al-Barghouti, figura central na Primavera Árabe; a norte-americana especialista em contos e narrativas concisas, Lydia Davis; a franco-iraniana Lila Azam Zanganeh; o escritor norte-americano Tobias Wolff e o norueguês Karl Ove Knausg;rd, que se encontram em debate sobre a relação entre ficção e confissão.
Já o francês Jérôme Ferrari se junta ao brasileiro Daniel Galera para refletir sobre elemento em comum das obras de ambos: a atualização de temas ligados à tragédia clássica, como o conflito entre ação humana e predestinação. Zuca Sardan e Nicolas Behr, dois grandes satiristas brasileiros das últimas décadas, discutirão um estilo que ironiza consensos e costumes, de forma poética e caricata, utilizando os recursos próprios da poesia, marcada pela invenção verbal e gráfica.
Gilberto Gil também está de volta à Flip. Além de fazer o show na noite de abertura, o cantor e compositor vai participar de uma mesa ao lado da socióloga Marina de Mello e Souza. Uma ausência sentida é a do romancista francês Michel Houellebecq, considerado um dos principais nomes desta edição e que, pela segunda vez, cancelou sua participação, alegando problemas pessoais.