Diversão e Arte

O filme de vampiros do cineasta indie Jim Jarmusch não empolga em Cannes

O diretor americano deu vida, eterna, a um casal de vampiros dos mais aborrecidos da história do cinema.

Carlos Dias Lopes - Especial para o Correio
postado em 26/05/2013 11:54

O diretor americano deu vida, eterna, a um casal de vampiros dos mais aborrecidos da história do cinema.

Cannes - O americano Jim Jarmusch mostrou seu último filme numa sessão dedicada à crítica, na noite dessa sexta-feira (24/5), em Cannes. Only lovers left alive foi inscrito de última hora no festival e está na corrida pela Palma de Ouro de melhor longa. Veterano em Cannes onde já levou vários prêmios, entre eles o Grand Prix (por Flores partidas, em 2005), Jarmusch poderia ter deixado passar esta edição sem meter seu respeitado nome na lista de competidores.

O filme decepcionou. O diretor americano deu vida, eterna, a um casal de vampiros dos mais aborrecidos da história do cinema. Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton) estão juntos há 600 anos, mas, a exemplo dos casais moderninhos, vivem cada um em suas casas, entediados com a raça humana. Adam, mora em Detroit, numa espécie de antiquário, onde ele conhece a história de cada objeto que o cerca, com predileção por guitarras vintage. Eve reside em Tanger, e gasta sua oitava existência a ouvir histórias de um vampiro ainda mais velho e compungido, Marlowe (John Hurt), o qual teria conhecido (ou mesmo sido) o poeta inglês Byron em vidas passadas.

Only lovers left alive tem duas horas de duração, mas a primeira hora é pouco mais do que os dois protagonistas em contato com traficantes de sangue de qualidade, já que devem evitar beber diretamente na fonte para não dar bandeira às autoridades. Quando a irmã vampirinha de Eve vai lhes visitar em Detroit (onde com ajuda do skype a esposa se juntou ao marido), é que alguma movimentação é acrescentada à fita. Porém, não dura muito, pois logo a incontrolável Ava (Mia Wasikowska) apronta na balada, mata um rapaz a dentadas e é expulsa do antiquário do cunhado.



Então o espectador é entregue de novo à rotina apática do casal. Adam e Eve são como aqueles primos intelectuais, com o qual todos nós já tivemos de conviver um dia: gente que decora nome científico de vegetais, procedência estilística de móveis, trecho de livros e não perde oportunidade para despejar informação bruta sobre um interlocutor (no caso o espectador). Como se não bastasse, a dupla passa o tempo a reclamar que os humanos estão acabando com o planeta onde gastam suas breves vidas, e que não vão deixar nada para quem, como os vampiros, atravessa os séculos. A preservação de mananciais de água, por exemplo, é grande preocupação para eles, já que constitui 80% do sangue que tanto apreciam.

Jarmusch justifica que o casal é uma metáfora do ser humano de hoje, frágil e vulnerável diante da falta de perspectiva de longo prazo daqueles que guiam os destinos do planeta. Porém, o roteiro que o diretor escreveu, tanto quanto seus vampiros, carece de vitamina D. Não só não sustenta a profundidade de sua tese como até mesmo bota os personagens a trabalharem contra. Em determinado momento, Adam e Eve não hesitam em usar seus cartões de crédito para comprar bilhetes de primeira classe num jato supersônico quando têm de se mandar às pressas de Detroit.

O tom contemplativo, de cenas alongadas e de diálogos frouxos, característica marcante do cinema de Jarmusch, não funcionou em Only lovers left die. Vampiros são por princípio personagens à margem. E o bom uso desse arquétipo fez a fama do diretor nos anos 1980, com Stranger than paradise (1983) e Daunbailó (1986). Mas nos dois filmes citados, os marginais adquiriam ao longo de suas trajetórias errantes extrema empatia com o público, o que não é o caso de Adam e Eve. É como se o diretor tivesse deixado a inventividade de lado para apostar num particular e desgastado perfil de personagem.

Por fim, os temas de sempre da obra do cultuado diretor estão no mais recente título: música, literatura e humanismo. E é bem possível que o roteiro com poucas âncoras e a dupla pálida tenha sido só uma nova desculpa para Jim expor suas predileções depois de quatro anos sem lançar um filme. O experiente John Hurt pode ter dado a resposta quando disse que filmar com Jim não é fazer cinema americano ou europeu. É fazer o cinema de Jim. Entre o sangue limpo da América, mas manipulado por mãos corruptas (Adam tem de molhar a mão de um médico para obter sangue puro), e o sangue sujo da África (onde Marlowe finalmente morre, não sem antes avisar que o culpado é o sangue contaminado do hospital local), o casal sucumbe, atacando humanos para sugar sangue fresco.

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