Então o espectador é entregue de novo à rotina apática do casal. Adam e Eve são como aqueles primos intelectuais, com o qual todos nós já tivemos de conviver um dia: gente que decora nome científico de vegetais, procedência estilística de móveis, trecho de livros e não perde oportunidade para despejar informação bruta sobre um interlocutor (no caso o espectador). Como se não bastasse, a dupla passa o tempo a reclamar que os humanos estão acabando com o planeta onde gastam suas breves vidas, e que não vão deixar nada para quem, como os vampiros, atravessa os séculos. A preservação de mananciais de água, por exemplo, é grande preocupação para eles, já que constitui 80% do sangue que tanto apreciam.
Jarmusch justifica que o casal é uma metáfora do ser humano de hoje, frágil e vulnerável diante da falta de perspectiva de longo prazo daqueles que guiam os destinos do planeta. Porém, o roteiro que o diretor escreveu, tanto quanto seus vampiros, carece de vitamina D. Não só não sustenta a profundidade de sua tese como até mesmo bota os personagens a trabalharem contra. Em determinado momento, Adam e Eve não hesitam em usar seus cartões de crédito para comprar bilhetes de primeira classe num jato supersônico quando têm de se mandar às pressas de Detroit.
O tom contemplativo, de cenas alongadas e de diálogos frouxos, característica marcante do cinema de Jarmusch, não funcionou em Only lovers left die. Vampiros são por princípio personagens à margem. E o bom uso desse arquétipo fez a fama do diretor nos anos 1980, com Stranger than paradise (1983) e Daunbailó (1986). Mas nos dois filmes citados, os marginais adquiriam ao longo de suas trajetórias errantes extrema empatia com o público, o que não é o caso de Adam e Eve. É como se o diretor tivesse deixado a inventividade de lado para apostar num particular e desgastado perfil de personagem.
Por fim, os temas de sempre da obra do cultuado diretor estão no mais recente título: música, literatura e humanismo. E é bem possível que o roteiro com poucas âncoras e a dupla pálida tenha sido só uma nova desculpa para Jim expor suas predileções depois de quatro anos sem lançar um filme. O experiente John Hurt pode ter dado a resposta quando disse que filmar com Jim não é fazer cinema americano ou europeu. É fazer o cinema de Jim. Entre o sangue limpo da América, mas manipulado por mãos corruptas (Adam tem de molhar a mão de um médico para obter sangue puro), e o sangue sujo da África (onde Marlowe finalmente morre, não sem antes avisar que o culpado é o sangue contaminado do hospital local), o casal sucumbe, atacando humanos para sugar sangue fresco.