Dos pioneiros no ato de colecionar ; "em 1978, quase ninguém fazia" ;, Paiva, aos 66 anos, já viu o milagre de uma foto de Diane Arbus comprada por ele a US$ 200 chegar ao patamar de US$ 65 mil. Cerca de dois terços da coleção particular com quase 3 mil obras de Luis Humberto, Orlando Brito, Mário Cravo Neto e dos estrangeiros Ansel Adams e Martín Chambi, entre outros, foram destinados ao Museu de Arte Moderna (RJ).
Pouco antes do gosto pelo colecionismo, Joaquim Paiva já aderira à prática de eternizar os "hábitos artísticos efêmeros" do happening e da performance. "A maneira de perpetuá-los era por meio da fotografia. Foi assim, aliás, como mero documento, que a fotografia entrou para as galerias de arte e para o mercado." Agregada à mostra Joaquim Paiva ; Fotografias, a série Jogando plásticos para o alto, de 1973, contempla umas traquinagens no câmpus da UnB.
Em ação, o fotógrafo parece desbaratar o livre trânsito do lugar-comum. "As pessoas, quando falam em Brasília, em termos de fotografia, é sempre arquitetura e bastidores de poder. Não fiz nada disso: fiz a arquitetura, mas com o foco no ser humano. Fotografei muito cidades-satélites, aquele tipo de arquitetura de casa popular do Núcleo Bandeirante. Não era a Brasília do poder, a monumental", sublinha.
Propagador da capital, ao disseminar imagens em lugares como o Centro de la Imagem (México), Paiva trilha a linha dos "relatos íntimos" em consonância com o "mundo da conexão imediata e veloz", terreno formalizado desde 1998. "Minha obra é autobiográfica. Trato de pessoas que passaram por minha vida, locais em que morei; nunca tive uma pretensão de grande obra: fui fotografando, numa boa, meio amadoristicamente, mas com fotografias cheias de vivência e de emoção. Formei uma espécie de diário visual", explica.
Sob curadoria de Betch Cleinman, a mostra Joaquim Paiva ; Fotografias, até indiretamente, remete a Brasília. Na série Retratos de família, os (falecidos) pais comparecem em imagens do passado, em conjunto ou em separado (no caso da fotografia misteriosamente rasgada pela mãe). Todos, curiosamente (e pela ação do fotógrafo), estão envoltos pela terra vermelha que Paiva tanto admira.
Retratos desgastados
Consolidando imagem da capital, desde as entrevistas para o jornal José (dos anos de 1960), Joaquim Paiva não rechaça a tarja de "fantasmagórico", ao comentar imagens com qualidade efêmera, caso de Pontas de filme, série também integrada à mostra Joaquim Paiva ; Fotografias no Sesc do Rio. "Há realidade que aparece com cores distorcidas. Na era ;analógica; das fotos, usava a última chapa: eram imagens guardadas que tinham cores misturadas e enevoadas, como no caso do registro do Conjunto Nacional", comenta. Séries como Janelas com cortinas de plástico, com fotos captadas em Taguatinga, e Tirando retratos na Rodoviária de Brasília reiteram a simplicidade. "Tem sequências com um rapaz fotografando namorada e amigos, no parapeito da Rodoviária. Ele realiza o ato incrível de preencher a necessidade humana de perenizar a vida que todos sabemos ter um prazo", avalia.
A passagem do tempo e uma marca muito particular de contabilizá-lo se evidenciam numa conversa com o fotógrafo carioca. "Brasília foi o lugar em que percebi a mudança da luz, ao longo do ano. Nos aproximamos da fase da luz dourada, na estação em que a luz mais bela se torna perceptível, em fins de maio. À medida em que chegamos ao equinócio de inverno, é que percebemos: quando o sol está mais longe do Polo Sol, a incidência inclinada da luz fica bela, atravessando junho e julho".
Morte, ao vivo
Joaquim Paiva ; Fotografias trouxe um desafio para o artista carioca que, pela primeira vez, se arriscou com vídeo intitulado Cinzas. Do alto do Corcovado, ele atirou, no plano da ficção, as próprias cinzas de falsa cremação. "As cinzas foram recolhidas numa churrascaria e estavam dentro de uma quentinha", diverte-se. "Não é fúnebre: é pungente, é melancólico ; a obra, com sete minutos, traz em si um momento de grande emoção", avalia. No momento das filmagens, Joaquim Paiva quase ficou inibido, tanto pelos curiosos que o cercavam quanto pela inesperada presença de um grupo de militares. "Vejo como uma fantasia, um desejo oculto: uma ficção e teatralização da realidade. A arte é o espaço para a impossibilidade. Podemos delirar e devanear. A vida não contempla só o prático: tem emoções, tem hesitações, tem conflitos. Nós não somos heróis", conclui.