;Você gosta de João Gilberto?;, indaga o vendedor de CD;s, quando me vê fuçando entre os álbuns disponíveis do criador da bossa nova na estante. Respondo que sim, que estou hospedado há uma semana exatamente a uma quadra do apartamento onde ele mora e que gosto de perambular pelas mesmas ruas em que provavelmente ele já caminhou. O vendedor vira-se para a seção de jazz, ajeita um CD desalinhado e diz que ;o João é um gênio, mas um tremendo babaca;. Respeito os segundos de silêncio que preenchem sua fala e aguardo a justificativa. ;João Gilberto matou o meu amigo;, afirma, sem esconder o rancor.
Depois de uma semana colecionando histórias do recluso cantor baiano, eu não poderia deixar de ouvir mais uma. No máximo, perderei alguns minutos na famosa livraria do Leblon, escutando uma lorota para entreter turistas. O vendedor nota minha curiosidade para ouvir os detalhes do causo. Ao ser abordado por um cliente em busca de CD;s de tangos, o vendedor adianta: ;É uma história muito cavernosa, mas já vou te contar;, avisa.
É assim que tenho passado os meus dias no Rio de Janeiro: esperando. Estou de campana no prédio de João Gilberto, desde que deixei na segunda-feira, por volta das 15h, dois CD;s dentro de um envelope para serem autografados. Deixei com um jovem porteiro, que se identificou como Gustavo e recebeu o pacote com um sorriso amigável, quase complacente, garantindo que levaria ao cantor. ;Vim do Paraná para entregar isso ao João Gilberto;, eu disse, passando o envelope pelo portão.
João Gilberto, aos 81 anos, teria pouco trabalho: abrir o envelope, autografar os dois álbuns em anexo e mandar o pacote de volta para a portaria. Moleza. Contabilizando meio por cima, cinco minutos seriam o suficiente. Um dia depois, na terça de manhã, toco a campainha da portaria. Quem atende é um outro sujeito, mais velho, e rapidamente me apresso a explicar a situação. Ele me interrompe bruscamente. ;Escuta aqui, eu sei quem é você. Não tem nada para você aqui;, informa, impaciente, antes de bater o interfone na minha cara.