Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Artista e crítico Evandro Salles fala sobre trabalho de Yoko Ono

Crítico fala sobre trabalhos de Yoko Ono e a influência de John Lennon no trabalho da artista

O mineiro Evandro Salles, artista e crítico, falou com o Correio Braziliense sobre o trabalho de Yoko Ono:

O reconhecimento do trabalho de Yoko Ono foi tardio?

Cada vez mais ela está sendo reconhecida pelo circuito internacional de arte. Quando fizemos a exposição, havia um questionamento enorme se o trabalho era bom ou ruim, se era significativo ou não. Entre essas várias manifestações, o Fluxus, que é um movimento do qual ela tinha uma aproximação maior e no qual o trabalho dela ecoou bastante, tinha uma característica de um cruzamento de linguagens como música, artes plásticas e performance. O que é muito importante na obra da Yoko é a junção, o cruzamento, é tomar arte e vida como uma coisa única. Nesse sentido, a obra dela se configura a partir desses ideais de unificar as várias linguagens da arte em um grande processo artístico que junta música, artes plásticas, performance e texto. Esse cruzamento de arte e vida é uma herança das vanguardas históricas. Hoje, há uma clareza bastante grande em torno tanto da obra da Yoko como do conjunto das manifestações do Fluxus. Há 10 anos, o George Maciunas, grande mentor do Fluxus, não tinha nenhuma obra no MoMA. Hoje, ele tem uma série de obras expostas lá. A própria Yoko também não tinha obra no MoMA. Hoje, se você visita as galerias de obras permanentes vai encontrar a Yoko. A cada ano a obra dela é mais reconhecida e você tem, dentro do conjunto, alguns momentos que são muito importantes como Cut piece, a performance citada hoje em quase todos os compêndios sobre arte contemporânea como uma obra marcante.

Por que Cut piece e Grapefruit são obras tão citadas?

Essa performance carrega uma série de questões muito fortes. Primeiro, a questão objetiva de expor o corpo do artista a uma ação direta do público. É uma questão quase política de trazer para o corpo do artista a obra, a ação. O corpo se transforma no objeto de arte, de expressão do próprio artista. Ao mesmo tempo, logo depois, a Lygia Clark estava fazendo isso, o próprio Hélio (Oiticica) com os Parangolés. É o momento em que isso emerge na arte de forma muito forte. E esse trabalho expõe o corpo do artista ao público de uma forma absolutamente corajosa. Isso é muito forte, muito radical, muito corajoso. É um trabalho impressionante. Em Grapefruit, ela cria uma coisa que é uma novidade na arte: é um trabalho muito próximo do universo da arte conceitual. O trabalho acontece inteiramente na mente. São articulações poéticas em que ela leva o espectador a sair daquela prisão da percepção cotidiana que a gente vive e a reinventar o mundo. É de uma simplicidade absoluta, outra característica do trabalho dela que acho importante e, me parece, vem muito de uma cultura zen budista, de uma origem japonesa. É um gosto pelo simples que ela carrega em tudo e isso às vezes choca as pessoas no sentido de que é tão simples, parece tão óbvio.

John Lennon ajudou ou atrapalhou?

A união dos dois politizou profundamente o John Lennon. Ele não tinha essa visão política do mundo, das coisas, muito menos essa ação política. A relação deles politizou tanto a obra dele como a dela. E a coisa mais bonita dessa união é que transformaram o encontro deles numa ação artístico-política. Isso é que é unir obra e vida, realizar a utopia modernista. De alguma maneira, eles realizaram a grande utopia modernista de juntar vida e obra usando o poder da fama que ele tinha como mito da mídia. Ele usou isso brilhantemente, de forma impressionante. Por isso foi assassinado. O que acho importante e bonito é que ele realiza essa utopia de juntar vida e obra e passa a fazer performances fantásticas, começando pela do casamento. Tem uma que eles vão para a Áustria e anunciam que vão dar uma entrevista coletiva. Os repórteres são chamados, mas eles não aparecem, ficam por baixo de um pano e criam um fato que desmonta toda a questão da mídia e questiona tudo. É uma performance louca, absurda.

O quanto as vanguardas que vieram depois foram influenciadas pelo trabalho da Yoko?

Enquanto movimento organizado em grupo, o Fluxus talvez tenha sido o último grande movimento de vanguarda que propunha uma coisa mais revolucionária dentro da arte. Acho que depois disso, a arte tomou uma configuração diferente em relação ao circuito. Os artistas, quando pretendem um confronto hoje, isso é feito de outra forma. A obra dela influenciou um monte de artistas. A Marina Abramovic incorporou essa questão. Toda a obra da Marina é construída a partir dessa questão do uso do corpo como instrumento. A questão das instruções, que é um outro ponto importante na obra da Yoko, você vê hoje em dezenas de artistas de muitas maneiras. Outra questão que é a relação entre música e artes plásticas, um caminho que ela trilha e também está presente em muitos artistas. Se a gente não pode dizer que ela foi precursora de uma série de coisas, no mínimo, ela está alinhada com muitas manifestações hoje ditas de vanguarda.