Diversão e Arte

"Se ganhei prêmios já esqueci", diz Lya Luft, em entrevista ao Correio

Compartilhar sentimentos é privilégio para círculo restrito, considera, aos 74 anos, escritora gaúcha em constante transformação

Ricardo Daehn
postado em 31/01/2013 07:30

Luft:


Pioneira no uso do computador, quando ganhou tempo para resmas de tradução, hoje em dia, Lya Luft crê na moderação no mundo virtual, pelo zelo da privacidade. Compartilhar ;sentimentos; é privilégio para círculo restrito, considera, aos 74 anos a gaúcha em constante transformação. Um naco da disposição é notado em O tigre na sombra, o novo romance. Pronta para reciclagens, na leitura da vida, Lya não despreza toques, até mesmo da autoajuda. ;Todo texto bem escrito é digno, não importa o gênero, e todo texto tem lá seus leitores. Não sendo pornografia, melancólica e infantiloide, respeito todos;, diz. Sem crença nas amarras da juventude, Lya é adepta à correnteza ;da vida;, e não se percebe, em nada, decadente. Ao revés, algo anarquista, e um tanto curiosa, reserva, por exemplo, expectativas aos brasileiros na esfera da politicagem: ;Vamos ver se somos um povo que quer honradez, ou nos deixamos levar pela acomodação e aceitação fútil de que nos manipulem;. Negligente na vaidade, ela não se candidata à via acadêmica, ao passo que entabula leitores como prêmio maior.

O que mais aprecia: a conquistada experiência da vida ou uma lufada de juventude? A senhora, que tanto já falou de infância, tem segredos para se manter jovem?

Não acho que a gente deva se manter jovem, mas se manter o mais possível saudável, alerta, e curtindo cada fase da vida. Aos 74 anos, estou ainda na maturidade, pois hoje acho que a velhice começa aos 80, e é apenas um rótulo a mais. Levo uma vida muito recolhida, não faço vida literária alguma, não vou quase a seminários, congressos, festivais literários, gosto assim. Vivo um ócio criativo intenso, muito não fazer nada, mas pensar e refletir, ler, curtir a natureza, os afetos, a família. Muito quieta, mas sempre curiosa. A pressão por ser jovem, atualmente tão em voga, produz muita angústia e aflição: melhor seguir a correnteza desse rio que passa, e é a vida, e não significa decadência, mas transformação.



Qual foi o cômputo de investir em textos infantis? Há retribuição das crianças, enquanto leitoras?

Na verdade, os infantis foram quase um acaso, registrei no computador historinhas que inventava para minha neta, então de três anos e pouco, que esperava irmãzinhas gêmeas, e, às vezes, vinha dormir comigo. Nos divertimos muito, eu era uma bruxa boa disfarçada de avó, e ela, minha aprendiz de bruxinha. Acabei gostando dos pequenos textos, montei no livro, minha filha (mãe dela), médica e pintora, ilustrou, e saiu Histórias de Bruxa Boa. Não pensei repetir isso, mas depois de uns poucos anos, sempre em conversas com as netinhas, percebi que ainda havia alguns temas que eu gostaria de abordar, como a morte, o namoro e casamento de uma avó viúva, etc., e saiu A volta da Bruxa Boa. Mais tarde, o Criança pensa foi escrito também me divertindo ; nesses livros solto meu lado gaiato, divertido ; para instigar o pensamento infantil e o respeito adulto pelo pensamento infantil. Não mantenho contato com crianças, não dou palestras em escolas, só muito raramente, mas sei que as crianças e os adultos estão gostando e se divertindo muito. Nada mais.

O tigre na sombra, por momentos, relata devaneios de uma jovem em frente ao espelho. O que a senhora percebe, ao se ver nessa condição? Pesam láureas da literatura? E como imagina que a Academia Brasileira de Letras lhe valore?
Nunca pensei em láureas da literatura, pra mim não significam nada, se ganhei prêmios já esqueci, meu prêmio são meus leitores, e minha editora ainda querer meus livros. Para mim, importam as alegrias e preocupações da mulher comum que sou, eu sou esta pessoa, não aquela escritora. A Academia tem lá alguns amigos queridos, e alguns escritores importantes, como Nélida (Piñon), querida amiga. Mas de verdade não penso nela, nem creio que ela pense em mim. Não tenho o menor jeito para acadêmica, eles sabem disso. E assim nos respeitamos.

Compartilhar sentimentos é privilégio para círculo restrito, considera, aos 74 anos, escritora gaúcha em constante transformação

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