Para quem dizia que fazia o elogio da vadiação, Rubem Braga trabalhou muito. Ao longo de mais de 60 anos de ofício, produziu cerca de 15 mil crônicas para jornal. Em vida, ele era extremamente arredio a jornalistas e entrevistas. A partir desse rico acervo estabelecemos uma conversa imaginária com esse caboclo desconcertantemente bravo e, ao mesmo tempo, delicado. Fala, Braga!
O senhor fica satisfeito com as comemorações do seu centenário na condição de sabiá da crônica?
Preferia ser um urubu, ave mais pesada e mais triste.
Por favor, dê uma autodefinição menos cavernosa?
Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas ainda em bom estado de conservação.
Por que o senhor é tão rude e, às vezes, grosseiro?
Bem o sabeis, por certo, a única nobreza do plebeu está em não esconder sua condição e esta nobreza tenho eu. A minha vida sempre se orientou pelo fato de eu não querer ser um conde. Preferia ser um passarinho.
Ser conde não é mais nobre?
O conde não gorjeia nem voa. É gentil ser um passarinho.
O senhor é um colega de profissão. Essa aversão aos jornalistas é uma pose?
Não sou cangaceiro por motivos geográficos e também por causa do meu reumatismo.
Ser cangaceiro é uma vocação ou destino?
Todos os homens pobres do Brasil são lampiõezinhos recalcados.
Guimarães Rosa dizia que os escritores deveriam fazer pirâmides e não biscoitos. O senhor estabelece uma distinção entre o escritor e o cronista?
Nossos ofícios são bem diversos. Há homens que são escritores e fazem livros que são verdadeiras casas, e ficam. Mas o cronista de jornal é como o cigano que toda noite arma a sua tenda e pela manhã a desmancha, e vai.