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Em outubro de 1967, meu pai e eu estávamos em casa no intervalo da hora do almoço quando, de súbito, as paredes da sala começaram a vibrar. Os copos e pratos no armário chacoalharam, tilintando uns contra os outros. Demorei alguns segundos para perceber a causa: a música alta vinda do apartamento ao lado. Algo se apoderou de mim, porque a melodia me soava vagamente familiar. Dessa vez não havia dúvida sobre o ritmo inigualável.
- Pai! -- exclamei -- É o Buster!
- Hum? Do que você está falando? -- ele indagou, desatento, concentrando-se em calçar as botas. -- Vamos arrumar nossas coisas e retornar ao trabalho.
- Não! É sério! É o Buster. Lembra quando ele ligou de Londres contando que passaria a se apresentar como Jimi Hendrix Experience? É a música dele tocando no apartamento ao lado.
Papai parou no meio da sala e ficou ouvindo por um momento, a expressáo confusa no rosto.
- Ora -- ele murmurou. -- Você está só me provocando. Não pode ser verdade.
- Não! Estou lhe dizendo -- insisti, saindo de casa.
Fui para o corredor e comecei a bater na porta do vizinho. Quando o cara que morava lá atendeu, nuvens de fumaça de erva pairavam ao seu redor. Ele e a namorada, Cornflake, eram hippies até os ossos e, quando estavam se divertindo, punham a música no último volume.
- Ei, o que você está tocando na sua vitrola? -- perguntei, elevando a voz acima do barulho da música e procurando conter a emoção.
- Ah, isso? É Jimi Hendrix.
- Cara, é o meu irmão nesse disco! -- gritei, apontando para o LP preto e brilhante girando no toca-discos.
Atravessei a soleira da porta e vi Cornflake acomodada no sofá com um cachimbo de erva na mão, a fumaça escapando-lhe da boca.
- Cooorta essa! -- resmungou ela, entorpecida. A princípio, o casal estava convicto de que eu estava apenas brincando, mas, depois de baterem os olhos na capa do álbum sobre a mesinha de centro, eles mudaram de opinião. Cornflake arregalou os olhos, pasma -- Oh, meu Deus! Você é a cara dele!