Confira trechos do livro Fim de tarde com leões, de Paula Fontenelle.
De Lúcia
"Quanta mistura de sentimentos, você continua o mesmo: mantém a distância -- que agora me parece maior -- enquanto revela, sem querer, o afeto que insiste em esconder de si mesmo. Se nas minhas palavras você destacou a culpa, nas suas ressalto a solidão. ;Exílio compulsório?; Por acaso agora se tornou fugitivo? Duvido, pelo menos dos outros.
Tudo bem, se quer um pouco de jogo em nossa troca, que assim o seja, afinal, bem sabe que eu gosto de um pouco de mistério, mesmo tendo certeza de que um dia você cederá e nos encontraremos sem portadores anônimos e sem ridículos envelopes comerciais. Se por agora essa é a única forma de tocá-lo, aceito mais esse capricho seu. Talvez até o mereça. E, sim, me assustou o tal portador, achei que trazia uma notícia de morte."
De Pedro
"Pois muito bem, então.
Você se tornou uma escrevinhadora de certo modo caudalosa. Não estou reclamando. Constato que você sempre foi mais loquaz que eu, mas palavras tão alongadamente escritas são novidade para mim.
Lembro-me de ter apenas uma carta sua, de quando você concluiu a faculdade e foi em viagem comemorativa com um grupo de colegas. Era uma carta juvenil e entusiasmada, e pasme, você não falava em doença ou morte, exceto por um machucado no tornozelo, resultado de uma afoiteza alpinista. Era também uma carta afetuosa, não muito apaixonada, mas com todos os sinais de comprometimento amoroso (e insinuações de desejo, ou estou enganado?).
Serviu-me muito aquela carta. Serviu-me? Não, foi mais: um consolo e um remédio e uma indicação para a mudança de rota para fora daquele meu casamento equivocado, bem antes do paradigma e termo dos setes anos."