Diversão e Arte

Escritor baiano Jorge Amado completaria 100 anos nesta sexta

Nahima Maciel
postado em 10/08/2012 08:58

Inventor do Brasil moderno. Campeão da mestiçagem. Pregador do sincretismo. Retratista de um país colorido e multirracial, mas também desigual, machista e violento. Cabem muitas descrições à obra de Jorge Amado e elas podem ir da qualidade literária à representação social de uma nação que começava a se descobrir, ou a ;se apalpar;, como escreveu Antonio Candido.

[SAIBAMAIS]A história literária do baiano de Itabuna, cujo centenário é comemorado nesta sexta-feira (10/8), começa com O país do carnaval, em 1930, e se encerra com O milagre dos pássaros, em 1997, mas o que há no meio é um mundo de gente brasileira carregada da diversidade que tanto arrebatava o escritor. ;Ele, definitivamente, fez parte de uma segunda geração modernista que nos ensinou a ver o Brasil. Incluiria nesta vertente José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Érico Verissimo. Antes deles, o Brasil não se olhava e se desconhecia. Eles nos mostraram que temos uma história, um contexto e características muito singulares. Se houve exagero, se houve idealismo, como já foi apontado, é uma outra questão;, repara a tradutora e ensaísta Ligia Cademartori.

Depoimentos sobre Jorge Amado

"A impressão mais forte é de uma leitura de adolescência, óbvia, a de Capitães da areia. Mas depois veio uma edição juntando o Quincas Berro d;Água, que é meu livro preferido, e o Velhos Marinheiros. E foi o capitão Vasco Moscoso que me pegou jeito: é o meu tipo inesquecível, grande personagem, embora adore os vagabundos e as putas em geral. Li um bocado de coisa e gosto muito de A descoberta da América pelos turcos, uma narrativa curtinha que fica meio escondida entre os romances mais populares. Mas. Sua obra é datada ; na medida em que traduz uma idéia de literatura e de Brasil que não se sustenta mais ; mas também sobrevive pela solidez narrativa e imaginativa. Você já viu alguma cidade em que personagens de ficção dão nomes a ruas e praças? Só Salvador mesmo. O que mostra o quanto essa obra colou-se à vida."

Paulo Roberto Pires, escritor

"Ele começou como um autor engajado. Na primeira parte da obra dele até os anos 1950, 1956, quando ele tem aquele desencanto como todo comunista quando o discurso do Kurshov revelou as atrocidades do Stálin até aquele momento ele faz uma literatura que se oferece como retrato do povo brasileiro. A partir daí, com esse baque que o leva a tomar uma distância em relação ao comunismo, embora sempre se mantenha como um homem de esquerda, ele passa a desenhar em sua obra uma imagem mais geral do Brasil. Já não é tanto o retrato de uma classe, como fazia antes, mas é um retrato geral de todas as classes. E começa a desenhar o retrato do Brasil como nação, a trabalhar com essas características que marcam a obra dele: a sensulaidade, o humor, a malandragem. Ele começa a traçar a imagem desse Brasil colorido cheio de cheiros, comidas e cores, esse Brasil exuberante que as agêndcias de turismo ou mesmo o Ministério do Turismo vendem hoje. O que não deixa de ser um Brasil muito verdadeiro na medida que o Jorge foi um escritor realista, mas que também não deixa de ser a fantasia do Jorge a respeito do que é o Brasil. Tem muito do seu gosto, seu jeitão de ser, do seu humor, seu interesse pelas mulheres, sua maneira afetuosa de ver o mundo e ainda conservando aspectos da fase inical que é essa do povão, das classes que sofrem mais, das classes exploradas, daqueles que estão longe do poder, do dinheiro, do Brasil rico"

José Castello, crítico de literatura

"Eu diria que ler Jorge Amado com um olhar contemporâneo é lê-lo, em primeiro lugar, como grande escritor que foi, dedicando a ele todas as reverências que merece. Em segundo lugar, acredito que devemos ler a sua obra como quem descobre o Brasil e uma parcela da população brasileira. Ler Jorge Amado com um olhar moderno significar ler olhando para nós mesmos, para a nossa história social, cultural e política. O herói na obra de Jorge Amado é o homem comum, o sujeito que não compõe a imagem tradicional daquele que se costuma definir como herói. O herói da obra de Jorge Amado é o homem mestiço baiano, o mulato pescador, escritor marginal, o desvalido, a prostituta, todo um elenco de personagens que não figurariam no papel de heroi em muitas narrativas de alto consumo contemporâneas"

Rogério Lima, professor da Universidade de Brasília

"Os críticos de Amado colocam seus textos como "datados" devido ao forte envolvimento do autor com a ilusão comunista ; em verdade, a grande utopia da era moderna. Nisto, ele foi moderno até a medula. No entanto, muitos dos problemas denunciados nos romances persistem até hoje: o trabalho escravo nas fazendas perdidas nos grotões foi tematizado em Cacau (1933); o problema do menor abandonado e delinquente foi apontado em Capitães da areia (1937); a condição subalterna da mulher na sociedade patriarcal brasileira está presente em Suor (1934), Terras do sem fim (1942) e também em Gabriela (1958), entre outros; as violações dos direitos humanos no âmbito do aparato policial-militar são denunciadas em Subterrâneos da liberdade (1954). Enfim, o escritor esteve todo o tempo com sua sensibilidade voltada para o processo histórico e foi "homem de seu tempo e de seu país", conforme defendia Machado de Assis. Seu projeto sempre foi escrever para o povo. Assim, ele coloca o homem do povo como herói para ganhá-lo como leitor. Para tanto, se apropria da estética romanesca do século XIX e mescla elementos de romantismo e realismo com sua linguagem moderna e despojada, próxima da oralidade e dos falares regionais do país. E, a partir de Gabriela, será a vez da mulher do povo ocupar o centro da cena. Importante destacar que o fundamento romântico de seus textos guarda quase sempre um final feliz para tais personagens, a fim de coroar o processo de heroicização".

Eduardo de Assis Duarte, professor da Universidade Federal de Minas Gerais

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