Ao contrário da bem-humorada explicação de Koffi Kôkô, o bastão fino carregado para cima e para baixo durante o Cena Contemporânea não serve apenas para impressionar. Nem o traje africano branco, com a túnica, a écharpe e a touca no topo da cabeça. Kôkô é um dah hounnoun, um padre vodu ou, na linguagem religiosa, um %u201Cpai, aquele a quem o santo pertence%u201D. O bastão, assim como os cabelos escondidos dentro da touca, são símbolos de sua importância religiosa. No Benin, ele tem o direito de andar com um cetro, mas ninguém pode enxergar os cabelos. São regras da santidade.
Entronado no ano passado, o coreógrafo e dançarino chegou ao grau de espiritualidade que considera maduro, o ponto certo para criar o monólogo de La beauté du diable, cuja última sessão acontece hoje, às 19h, na Sala Martins Pena. No palco, ele é um mensageiro entre Deus e o diabo. Para ter acesso às divindades, precisa entrar em contato com os ancestrais, entidades do além acostumadas a transitar entre o bem e o mal. Mas essas duas noções não são estáticas e Kôkô nos lembra que as qualidades estão presentes em todos os homens.
É da dualidade, o paradoxo humano de carregar conceitos aparentemente opostos, que o coreógrafo trata na peça. Uma realidade que percebe desde a infância, quando começou a ser iniciado na religião vodu pelos dois avós no seu Benin natal. %u201CEm certo momento, nós recebemos uma educação judaico-cristã que nos embalou com essa ideia de que havia o bem e o mal, o inferno e o paraíso%u201D, diz. %u201CÉ uma ideia importada pela colonização. Meus ancestrais não tinham o diabo. Na nossa filosofia e nossas crenças, era preciso fazer certa reverência para que as coisas ficassem harmônicas e justas. Na minha religião, não há diabo.%u201D