Trocar informações e experiências, observar culturas diferentes e, para completar, aprender um idioma. Não faltaram motivos quando a francesa Lola Girerd, 18 anos, desembarcou em Brasília, em agosto do ano passado, para morar na casa de três famílias. Quando Lola chegou à capital federal, não sabia quase nada sobre o Brasil: ;Apesar de já ter feito aulas de capoeira, eu não conhecia muito bem os brasileiros. Nem o português eu falava. Li algumas coisas sobre o Rio de Janeiro e São Paulo. Daqui, sabia que a catedral era o cartão-postal da cidade;, fala Lola, em um português claro e fluente.
O desconhecimento sobre a cultura brasileira logo passou a ser uma mera lembrança. Depois de quase um ano em Brasília, a jovem morou na casa de famílias até então desconhecidas por meio do programa de intercâmbio do Rotary International Club, e vivenciou momentos que a transformaram: ;Quando cheguei, fiquei desesperada e um pouco surtada;, brinca. ;Eu não entendia nada que falavam, a comunicação era péssima. Foi um movimento de emoções muito estranho. É como se eu fizesse parte de todas as famílias que me acolheram;, diz Lola, que voltou para a França no último domingo.
A jovem deixou por aqui pessoas também balançadas com a experiência. ;A Lola é como se fosse minha filha. Criamos vínculos e tenho certeza de que ela vai voltar para nos ver, assim como outros jovens que moraram comigo;, afirma o professor Fábio Monteiro, 45 anos, que já recebeu três intercambistas por meio da iniciativa. Fábio é rotariano há dois anos. ;Tudo começou quando eu e minha esposa resolvemos que a minha filha participaria de um intercâmbio. Ela se inscreveu no Rotary e foi classificada para ir à Alemanha. Acompanhamos o desenvolvimento dela tanto na língua quanto como pessoa e vimos que a viagem é muito interessante e enriquecedora.;
Choques e rotinas
De acordo com a psicóloga Paula Pessoa, que estuda terapia clínica analítico comportamental na Universidade de São Paulo (USP), há cuidados que devem ser tomados pelo intercambista e por quem vai recebê-lo. ;As rotinas não devem ser alteradas, mas deve-se saber que as pessoas são diferentes e que é preciso estar aberto a entender as características de cada um;, diz. Pessoa sugere, inclusive, que sejam estabelecidos regras e limites para evitar problemas de convivência.
Exercitar o respeito às diferenças é um dos preceitos básicos da experiência. Segundo Sérgio Cardoso, presidente da Comissão de Intercâmbio dos Jovens do Rotary do DF, de parte de Goiás e de Tocantins, não se trata apenas de um serviço de hospedagem. É preciso convivência, mas sem a intenção de ;mudar hábitos ou comportamentos;.
E os choques costumam ocorrer em situações cotidianas. O empresário Demetrius Contoyannis, 54 anos, por exemplo, recebeu em casa o intercambista mexicano Edgar Mandujano, 18. O primeiro espanto se deu por um hábito diferente no jantar. ;Eu vi ele tomando leite e não um suco ou um refrigerante, como estamos acostumados. É muito curioso e interessante;, brinca. Edgar está em Brasília desde agosto do ano passado. Veio para aprender a língua e melhorar o currículo, mas conta que ganhou, de quebra, vários amigos. ;Não esperava ser recebido tão abertamente pelas três famílias que eu convivi;, confessa.
No caso do consultor legislativo Gustavo Correia da Costa, 46 anos, o tamanho do desafio parecia maior ao saber que ele receberia uma muçulmana. A indonesiana Tunjung Putri, 18 anos, chegou para quebrar as ideias pré-concebidas. ;Ficou um ponto de interrogação na cabeça de todos da família acerca do convívio dentro de casa. Sabíamos que os costumes dela eram diferentes. Mas foi uma grande surpresa. Ela já falava português muito bem e não nos distanciamos pela religião dela. Pelo contrário, nosso relacionamento foi bem aberto;, conta Gustavo. ;Eu brinco com a Tunjung que, quando ela for se casar, terá que passar a biografia do noivo para quatro famílias ; uma na Indonésia e três no Brasil ; para ver se aprovamos;, completa.
A empatia foi tanta que Tunjung, há um ano em Brasília, já planeja a próxima visita. ;Quero rever minhas amigas e minhas famílias, mas preciso economizar primeiro. Eu pretendo voltar em 2014, na Copa do Mundo;, revela. Nesse período no Brasil, ela conheceu Recife, Aracaju, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiânia e Ouro Preto (MG).
Outra vantagem em participar de programas de intercâmbio é conhecer países gastando menos. Desde quando Emerson Werneck, 42 anos, se inscreveu em um site chamado de Couchsurfing, há cinco anos, ele nunca mais precisou se hospedar em hotéis ou pousadas. Por meio da página na internet, ele conhece pessoas de todo o mundo e visualiza quais delas estão de portas abertas para recebê-lo sem cobrar um centavo. ;Eu sempre me interessei por fazer qualquer tipo de intercâmbio. Mas esse tipo me chamou mais a atenção. Você conhece novas culturas, é recebido em todos os cantos do mundo e recebe pessoas de todos os países. Sempre fica uma lembrança desse contato. É uma das formas mais ricas de fazer intercâmbio.;
A cada dois meses, Emerson recebe uma pessoa em casa. Ao todo, já hospedou 30 pessoas. ;A maioria fica pouco tempo. Uma semana no máximo.; O produtor conta que nunca teve problema com a experiência. ;Você combina horários para se encontrar, visita pontos turísticos com eles, mas nada disso é obrigatório. Quando eu me hospedei na França, por exemplo, o morador me deu uma cópia da chave da casa dele. Nunca ouvi relatos de roubos, agressão ou violência nesse programa. Quem viaja não procura confusão;, diz.
Um dos mecanismos de segurança do site é o voto de confiança. ;As pessoas que já receberam ou foram se hospedar em uma casa dão um voto de confiança para que os outros possam saber se a opção é segura. Quanto mais votos a pessoa tem, mais ela é confiável;, explica Emerson.
Duas perguntas para Paula Pessoa, psicóloga
A fase ligada à vontade de explorar novas culturas é passageira?
Na maioria dos casos, sim. É uma fase que reflete um momento em que a pessoa está estimulada a conviver com as diferenças para se moldar na vida adulta. É fundamental aproveitar o intercâmbio porque, depois de um certo tempo, as raízes são estabelecidas e a pessoa não tem liberdade para viajar e ficar muitos meses fora. É uma etapa importante para a vida, mas, depois de um tempo, fica enrijecida.
Então, a experiência é mais proveitosa para os jovens?
Nessa idade, as pessoas têm mais vontade de se libertar, condição que, muitas vezes, não é encontrada em casa. O meio para saciar isso é viajando para um lugar distante e completamente diferente. Para se desenvolver como ser humano até a fase adulta, essa exploração está ligada ao estabelecimento de novos vínculos, que vão agregar culturas até então desconhecidas ao crescimento do jovem.