Nos anos 1970, transmutar a energia masculina em feminina tinha uma conotação muito mais universal do que reencontrar a ;metade perdida da alma;. Decerto, era uma busca pelo ansiado terceiro sexo, mas também a transformação do corpo num território de contestação política. Estávamos amordaçados pela ditadura militar, e o Estado de Segurança em que se instalou no Brasil sustentava-se na tríade moralista ; tradição, família e propriedade.
Os guetos e a vanguarda cultural abrigaram todos os que se recusaram a pegar em armas, mas queriam dizer ;não; a falácia do ;este é um país que vai pra frente;. Talvez, sob os tempos de AI-5, tortura, censura e assassinatos políticos, o underground nunca tenha sido tão simultaneamente cruel e acolhedor. Ali, brotou a guerrilha do desbunde, que usou e abusou da androginia, do humor escrachado, dos contravalores, do deboche e da criatividade para tirar o país dos porões.