Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Leia trecho do livro Os Chicos, de Gustavo Nolasco e Leo Drumond

Um barranqueiro em guerra contra a Inglaterra

Descendo o São Francisco, depois de passar pela curva do rio na mineira Januária, percebe-se que a barranca do lado esquerdo começa a ficar bem alta, chegando até a dez metros de altura. A água barrenta dá sensação de sono, reforçada pelo sol forte que arde no cerrado das Minas Gerais, tão bem declamado por Guimarães Rosa.

Numa dessa piscadelas, entre um cochilo e outro, os navegantes mais desavisados podem ter a sensação de uma miragem. Alguns chegam a jurar que,lá no alto daquela barranca, em terra firme, bem longe da lâmina d;água do Velho Chico, se vê um navio de dois andares e com uma imensa âncora içada na proa.

Do quarto principal de sua casa, o ex-marinheiro Francisco Guedes observa mais uma embarcação passar pelo São Francisco. Algumas máquinas fotográficas apontadas para a âncora fixada na varanda frontal já nem lhe fazem mais soltar um sorriso maroto, imaginando o espanto dos passantes frente à ousadia de transformar sua casa numa réplica do que mais ama na vida: a navegação.

Filho de uma família pobre de Januária, Francisco Guedes é um dos dez irmãos que cresceram à beira do Ipueira, afluente do São Francisco, na casinha feita pelo pai, que se tornou barranqueiro após deixar o sertão em busca de água. Ali aprendeu a pescar e a navegar na canoinha do pai, quando saíam na cheia pelo rio catando a madeira que descia pelas águas grossas do Ipueira.