O desejado livro de que se emprenha Sebastián, porém, ;não progride;. Num paralelo com a ficção, o autor (filho de argentinos acomodados no Brasil) entrega a ;parcial; nacionalidade argentina. E, dado à racionalização, Fuks adota uma vertente metalinguística, do romance ;que se volta sobre si mesmo;. A elaboração artística fica patente em Procura do romance. Mais do que isso: passada a imersão pouco cativante da ressaca interior a qual Sebastián se submete, logo nos dois primeiros capítulos, muito da problemática do candidato a escritor reside no exame dele para aquilo que venha a valer a pena contar.
Contra convenções, Julián Fuks ; que é mestrando em literatura hispano-americana, na Universidade de São Paulo ; pende para expor uma narrativa de work in progress, a partir do registro de um pretenso artista (Sebastián) que forja o atendimento ao próprio senso crítico, em filtro anterior ao da mera satisfação dos leitores. Num recurso lispectoriano, o personagem central ; ;solitário, mutável e inacabado por necessidade; ; alcança uma identificação com um casulo. Páginas adiante, novo encontro com um inseto, mas a fragilidade, incrivelmente, se projeta no homem, comovido pela condição do animal. ;No escuro, entreguei-me à dor do outro, me concentrando para dividir sua tristeza, me compadecendo para aliviá-lo de seu fardo;, observa.
A pequenez alheia ; como a dos piolhos que colocaram em calamidade a escola do, à época, infante Sebastián ; deflagra dolorosas lembranças para o protagonista do antienredo de Procura do romance, que sofre com a situação de uma mãe agonizante. Distanciado da narração, Sebastián é o centro da trama: ;Não era sua culpa se agora lhe apareciam piolhos, a mãe estava adoentada, já não lhe dava banho todas as noites, ele tentava, mas não conseguia se lavar como ela o lavava (;);.
Com ecos do passado, em que ;desabitara, por completo, a mãe, tudo na casa que não fosse o próprio quarto;, Sebastián tem pela frente, nos tempos atuais, o descompromisso inerente da geração à qual pertence ; ;o mundo não mexe com ela e ela não mexe com o mundo;. Daí, certo lucro com a desestabilidade e o sufoco convulsivo enfrentados pelos hermanos. ;O desespero do outro lhe dá a esperança de que também sua existência possa ser tocada, interferida, possa se misturar com a dos demais, com o assim chamado destino de la nación;, sublinha a narrativa.
Impasse literário
Na prosa que rodeia Sebastián, sobressai o caráter de intenção. O planejamento efusivo da lida com as palavras parece fadado a sucessivos abortos. Como espectador, testemunha, com viço, os ;lamentos firmes; das mães da Praça de Maio, as ousadias estéticas impressas por Picasso (numa exposição visitada) e as criações amadoras de um velho pintor vizinho, bem-sucedido no ;adeus aos colegas mofinos;, e, aposentado, credenciado a se esbaldar ;numa infinitude de papéis, pincéis, panoramas e vultos acrílicos;.
No campo prático, de avolumar as experiências a povoarem o futuro livro, Sebastián empaca. Descrente do aprendizado com as letras, aparenta abatimento, frente a tantas adversidades. Exigente no ;rigor crítico; proposto aos leitores, Julián Fuks comparece, para embaralhar ainda mais uma trama urdida por dor e ;frases imprevistas;. Abnegado, ao extremo, desde a fase terminal da mãe ; ;fazia tudo para controlar seus pesares e não complicar ainda mais a vida deles, não sobrepesá-los com suas mesquinhas carências; ;, talvez, por natureza, Sebastián tenha crises anteriores ao do desacordo com a escrita, ainda pendentes. Só o expressivo final de Procura do romance para responder se serão sanadas.