Embora seja uma ficção, a natureza dos dramas narrados em Lucille mais se assemelha à série de histórias biográficas que impulsionaram a venda das graphic novels nas livrarias nos últimos anos. A vida da adolescente que dá título à obra poderia ser de qualquer garota. Assim como muitas anônimas, a estudante francesa sofre entre a rejeição que tem por si mesma e a desaprovação que imagina ter dos outros. A situação da protagonista agrava-se devido à anorexia suicida causada por um trauma de infância.
Sob o traço econômico e fluido de Ludovic Debeurme, Lucille é uma garota de baixa autoestima, que ora tenta parecer normal para obter a aprovação dos outros, ora se esconde sob um grande par de óculos e uma postura derrotista. Em vez de se enturmar com os colegas, ela opta por ignorar os apelos da mãe e usar a timidez como desculpa para escapar num mundo de fantasia. Ela vê nas amigas e na boneca Linda o estereótipo de beleza e felicidade que almeja por meio da fome.
Mas é graças ao distúrbio alimentar que Lucille conhece Arthur, garoto ainda mais perturbado que ela. Entre o alcoolismo do pai e a indiferença da mãe, o adolescente se vê obrigado a sustentar a família, apesar da imaturidade. Para ele, a magreza exagerada de Lucille é bela, e diferente de toda a instabilidade de sua vida de garoto pobre e desajustado. Assim como a protagonista tenta controlar seus problemas pulando refeições, a confusão na vida de Arthur resultou num transtorno obsessivo compulsivo. Os dois encontram conforto nas loucuras do outro.
Os cenários são suprimidos na maioria das páginas, e as linhas dos quadros que geralmente limitam as ações das graphic novels não estão presentes na história. O estilo aponta o verdadeiro objetivo de Debeurme: onde estão os personagens, o que estão fazendo, nada disso importa. A narrativa é sobre o que eles sentem e pensam. O leitor é levado a uma viagem ao subconsciente desses dois jovens, traumatizados ainda na flor da idade. Mesmo quem não se identifica com os problemas vividos pelos protagonistas nessa viagem de autoconhecimento pode tirar da história alguma reflexão sobre os próprios conflitos.
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