Diversão e Arte

Em Millennium, David Fincher consegue ser fiel à obra de Stieg Larsson

Ricardo Daehn
postado em 30/01/2012 10:34

David Fincher, que acaba de lançar Millennium ; Os homens que não amavam as mulheres, tem a mania de tirar o sossego dos espectadores: arrancou o fôlego de Jodie Foster e de meio mundo, com Quarto do pânico; enquanto, em Vidas em jogo, sofisticou o clima de roleta-russa para um aniversariante Michael Douglas ; isso sem contar cercos a serial killers, feitos em Zodíaco e Seven ; Os sete crimes capitais (no qual até acomodou uma cabeça dentro de caixa de papelão). ;O diferencial são os detalhes de narração que ele oferece: confio nesse cineasta, que tem a característica de ser meticuloso;, explica o estudante de ensino médio Pedro Buson, 17 anos, aficcionado pelo universo de Fincher. Ele um foi dos 10 primeiros cinéfilos de Brasília a atender o mais novo chamado de Fincher nas telas: a adaptação ianque do fenômeno mundial literário Millennium, uma trilogia que vendeu mais de 62 milhões de exemplares mundo afora.

;É pesado, mais dark e perturbador do que o filme original (sueco), mas tudo serve para a criação de um clima;, aponta o jovem Pedro. Se a princípio ficou meio assustada ao saber do conteúdo da fita escolhida ao acaso ; que desfila de perversão sexual a violência gráfica, passando por imolação ; ,a neurologista Patrícia Marinho, 39 anos, se surpreendeu ;positivamente;. Tem cenas brutas, como as do estupro, muito fortes, mas, de certa forma, pela atitude de reação da personagem, existe um certo componente de alívio para o público. Não sou psiquiatra, mas vi que todos os personagens apresentam alguma patologia. Como vêm de origem desenvolvida, a gente espera pessoas mais equilibradas, mas o universo retratado é bem doentio;, completa a médica.

Candidata ao Oscar, Rooney Mara personifica a hacker Lisbeth Salander

A misoginia, patente desde o título, aliás, é componente da ;história favorita; da estudante da Universidade de Brasília (UnB) Vanessa Magalhães, 18 anos. ;É importante mostrarem que existe esta patologia, em homens que não se relacionam nem mesmo com mulheres com quem têm parentesco. Já esperava pela carga de violência, já que no outro filme (sueco) até aparecia um pai sendo queimado. A cena do ataque contra o gato achei desnecessária, e demais: me agrediu;, comenta.

Na sessão, com a namorada Vanessa, o estudante Lucas Nakamura, 19, atenta para o inesgotável leque de discussões inseridas na fita: ;Isso de abranger tantas atualidades é uma qualidade. Corporações fraudulentas; governantes que querem cercear a liberdade e a atuação da hacker Lisbeth trazem dilemas éticos, na ótica dos limites para a invasão da vida dos outros;.

Em dinâmicas duas horas e meia de filme, Millennium contrapõe a afronta da marginalizada Lisbeth Salander (Rooney Mara, de A rede social) frente à sociedade e a cobrança que magnatas impõem, a fim de calar as denúncias levantadas pelo jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig). A união do casal se dará, num pedido de Henrik Vanger (Christopher Plummer), para que solucionem o sumiço de uma jovem, ocorrido há 40 anos. Com renda superior a US$ 215 milhões, a obra deLarsson já havia sido recriado para as telas em três versões suecas exibidas entre 2009 e 2010.

Atuações

A língua sueca, naquelas versões, pode até fazer ;toda a diferença;, como opina a estudante Manuela Coelho, 27 anos, mas o marido dela, o empresário Ricardo Coelho, 30, se apressa em completar: ;A nova adaptação, definitivamente, não é hollywodiana. É David Fincher ; pode até não estar escancarado, mas há requintes de crueldade no material;. Com os três DVDs suecos na prateleira de casa, Manuela e Ricardo ; adeptos da onda Larsson há dois anos ; chega ao consenso de que o filme atual investe mais no relacionamento entre Mikael e Lisbeth do que livro e filme originais. Cinéfilo, o empresário gostou da nova heroína Lisbeth (;ela parece inorgânica;) e da inusitada sacada de o diretor usar Enya na trilha sonora.

Longe da unanimidade, a atuação de Rooney Mara é calcanhar de aquiles para os fãs mais ferrenhos. ;Para mim, a personagem era mais introvertida;, diz a estudante Vanessa Magalhães, que se aplicou na leitura da obra por causa da estreia do filme. ;Essa atual atriz parece modelo: na interpretação da Noomi Rapace, os problemas psicológicos sobressaíam;, opina Lucas Nakamura. ;A atriz americana coube mais na descrição do autor;, discorda a estudante do ensino médio Clarissa Alho, 16 anos, que adorou o filme, ;de modo geral;.

Se ;a mudança, ao final, em relação ao livro; irritou, ;de leve;, Clarissa, nada invalidou a diversão da estudante que se entregou à leitura apressada da trilogia, em agosto passado. ;Achei o filme maravilhoso. Ele mantém um animado ritmo para os vários acontecimentos. Em termos de violência, foi punk, mas fui bem preparada. O que foi mostrado é uma agressão muito sofrida para as mulheres. As cenas de estupro foram muito fortes. Nesse aspecto, ficou muito chocante: tanto que acredito que aqueles que não souberem do que se trata, talvez, nem gostem do filme;, avalia. Mesmo sob a dúvida de efetiva continuidade para as transposições norte-americanas dos livros, ao lado dos incontáveis fãs, Clarissa se entusiasmou: ;A expectativa é muita alta, pelos próximos, se vierem;.


Premiação


; Às vésperas da entrega do Oscar, o diretor francês Michel Hazanavicius tem o que comemorar: ele foi o vencedor do Directors Guild Award, prêmio do Sindicato de Diretores dos Estados Unidos, como melhor realizador de 2011 pela direção de O artista. O prêmio foi anunciado na noite de sábado, durante cerimônia no Grand Ballroom, em Hollywood, Los Angeles. O artista estreia no Brasil em 10 de fevereiro.


; Indicações ao Oscar

; Melhor atriz (Rooney Mara)
; Fotografia
; Edição
; Edição de som
; Mixagem de som

Veja o trailer do filme

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Patrimônio sueco

;Acredito que todos os suecos já leram Stieg Larsson;, exagera a vendedora de livros Elin Kristiansson, de Gotemburgo, cercada por exemplares de autores do filão policial sueco representado por Camilla L;ckberg, Henning Mankel e pelo adepto do noir Jens Lapidus. Na verdade, estatísticas apontam que 25% dos compatriotas leram ao menos um exemplar da série completada por A menina que brincava com fogo e A rainha do castelo de ar.

Mas o que teria a escrita de Larsson de tão especial? ;Ele aborda assuntos que não eram abertos na Suécia, como a existência do racismo e, mesmo que tenhamos uma boa posição de igualdade de gêneros, a condição das mulheres é tema para o autor;, explica Mikael Stahl, conselheiro da embaixada da Suécia, fisgado pelo fenômeno pátrio, a princípio visto por ele como ;um hype;, pelo fato de Stieg Larsson ter morrido.

Escritor de temas explosivos, o workaholic Larsson ; à época, sem a popularidade (que nem viria a conhecer) e com poucos leitores assíduos ; fundou a revista Expo, dedicada ao combate de todos os tipos de intolerância. ;A Expo sempre era roubada aqui da biblioteca, porque os nazistas promoviam essa retaliação. Tivemos de mantê-la, por um tempo, atrás do guichê, para ter melhor controle. Os livros dele não param na estante;, conta Malin Andersson, bibliotecária do departamento de línguas da Biblioteca de Gotemburgo.

Repórter cultural, a sueca Frida Stahri, em Gotemburgo, confirma os tentáculos extraliterários do autor: ;A influência se estende até de forma inesperada ; temos turistas interessados em circuitos de onde ocorreram as filmagens das produções de cinema. Ao redor do mundo, foi afunilado o interesse em torno da literatura sueca;. ;Pelas notícias que ele gera, por vezes, Larsson parece até estar vivo;, completa Malin Andersson.

Quatro perguntas // Eva Gedin

Fenômeno absoluto de vendas, em escala internacional, com a trilogia Millennium negociada para 50 países, Stieg Larsson representou um marco para a editora Norstedts, sediada em Estocolmo (Suécia). Em entrevista ao Correio, Eva Gedin, editora do autor, contou que, com os livros, ;ele queria imprimir uma dimensão de Elizabeth George e Sarah Paretsky, autoras que tanto admirava;. Entregados os manuscritos, ao começo de 2004, Larsson morreu em novembro daquele ano. Sem endossar discussões entre familiares que, ferrenhamente, disputaram o espólio do escritor, Eva Gedin desconversa, quando o assunto é a possibilidade de uma continuação da saga literária. Tendo lido There are things I want you to know about Stieg Larsson and me, escrito pela viúva de Larsson, porém, ela dá o parecer sobre o relato publicado, ano passado, nos EUA: ;Claro que existem detalhes curiosos sobre o autor, mas não partilhamos das mesmas ideias em relação à forma com a qual desenvolvemos nossa parceiria;.


A adaptação cinematográfica, já completa em versão sueca, insuflou o sucesso?
O imenso sucesso é anterior ao aparecimento dos filmes. Claro que a distribuição pela Europa, Reino Unido e Estados Unidos reverteu em aumento das vendas. Mas ele era um autor tão reconhecido nesses países, de qualquer forma, desde sempre. É uma espécie de bola de neve: o que se viu na Escandinávia ; do aumento sistemático de vendas até a completa explosão com a chegada do terceiro volume ; se reproduziu em cada país. No começo de 2010, das 20 milhões de cópias, agora, pelo mundo, estamos em patamar de 62 milhões de vendas. Isso deu o título de autor de maior alcance, no âmbito internacional. Da Holanda à Alemanha, passando pelos Estados Unidos, os números são muito expressivos.

Qual o componente decisivo para tanto êxito?
A resposta mais curta vem de um nome: Lisbeth Salander (a protagonista da trama). Muito está atrelado a essa personagem na maneira de ele imprimir o suspense nas histórias. São bem construídas e vistas como exóticas para as pessoas de fora do país. Ela é uma heroína que guarda semelhanças com Nikita, Lara Croft, mas, definitivamente, não é um tipo comum. O autor, aliás, estava ciente de que havia criado algo muito singular.

Qual o seu grau de entrosamento com Larsson e quais as qualidades mais evidentes dele?
Trabalhamos muito próximos. Quando o lemos, é perceptível notar a qualificação da pesquisa demandada na escrita. Larsson capta um viés político do país. Sendo ele um jornalista, praticamente tinha a bênção da mente quase enciclopédica, além da enorme capacidade de se ater a detalhes. Tendo sido leitor voraz, Larsson se viu influenciado por muitos autores americanos e britânicos.

Uma questão inevitável: dá para comparar os livros com os filmes?
É sempre outra experiência, se ater ao livro. Lembro do meu filho acompanhando Harry Potter e se negando a ler os livros, antes de assistir aos filmes. Ele dizia: ;Sabe, mãe, os livros trazem tanto material extra; (risos). Acho que ele está certo: não há como compactar tudo na tela. Mesmo assim, os filmes, creio, se mantiveram fiéis.

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