Diversão e Arte

Maestro Claude Brendel dá aula de regência no Curso Internacional de Verão

Nahima Maciel
postado em 11/01/2012 08:00

É mais ou menos assim: uma bola quica graças à ajuda da mão, cujo impacto deve ser seco, preciso e seguro. Só que, à frente do suposto jogador, está uma orquestra de 60 músicos. Toda energia destinada à esfera deve ser agora recebida pela orquestra. ;Para os músicos, e não para o público;, explica Claude Brendel. O exercício é o primeiro passo da aula do maestro francês. É útil para treinar os movimentos necessários ao braço na hora de empunhar a batuta. Brendel é especialista nisso. Ele está na cidade pela segunda vez para participar do 34; Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra) e ficou encarregado de ensinar regência para uma turma de seis alunos. Quer também transformar em banda sinfônica um grupo bastante heterogêneo de 60 jovens músicos, tarefa que anima especialmente o francês.

Nascido e criado na Alsácia há 46 anos, uma região que se orgulha de ter tantas bandas sinfônicas quanto igrejas, o maestro tem carinho especial por formações do gênero. Com um trompete em mãos, ainda na infância, o filho de músicos amadores começou a se aventurar pelo universo dos metais antes de escolher a regência como porto definitivo. Hoje, Brendel dirige o Conservatório de Rouen, referência no estudo de saxofone erudito, e está convencido da enorme energia capaz de brotar do diálogo entre as linguagens erudita e popular.

Brendel assumiu a escola de Rouen há seis anos. Desde então, instalou um compromisso ao qual se mantém fiel: no conservatório não há só Bach, Mozart, tutus de balé e Moli;re. Os clássicos dividem espaço com os contemporâneos e os alunos têm a oportunidade de transitar por todas as áreas. ;Nós, da música clássica, temos essa imagem elitista, conservadora de pessoas que não seriam abertas a nada, que seriam tristes, que não riem, que não festejam, não têm vontades ou apetite. E isso não é verdade. Na França, especialmente nos conservatórios, fomos levados a fazer todo um trabalho sobre isso. E o trabalho, por um lado, é tentar diversificar o ensino.;

Ele mesmo, durante a carreira de regente, cuidou para não se especializar em um único gênero. Ao mesmo tempo que alimenta a paixão por reger Gustav Mahler ; um sujeito que ;conhecia perfeitamente a possibilidade dos instrumentos e os explorava em registros que ninguém ainda tinha explorado; ;, escorrega para o popular com obras como a Opéra d;Aran, do compositor Gilbert Bécaud.

Habilidades trabalhadas
Tal tipo de mistura é uma habilidade trabalhada na prática com bandas sinfônicas. ;Elas têm realmente uma grande vantagem em comparação com a orquestra sinfônica, já que são certamente conjuntos mais polivalentes em relação ao repertório que podem abordar e tocar;, acredita Brendel. No Curso de Verão, o maior desafio está em conseguir encontrar uma identidade sonora em meio à diversidade dos alunos da banda sinfônica.

Mesmo com tempo curto, ele acredita que conseguirá organizar a sinfônica. Para isso, revela alguns importantes passos. ;Chego, em Brasília, sem conhecer minha orquestra nem o nível dela. Penso em repertórios com prudência, pego coisas abordáveis no nível técnico. E tem o fato de que essas pessoas não se conhecem e precisam ser uma orquestra. Isso é importante para a escolha de um repertório, ele deve favorecer um som que possa vir a ser criado. E há muitas obras que ajudam a dar ao conjunto uma identidade sonora.;

Para a turma de regência, o maestro precisa se equilibrar entre extremos. De um lado, o pianista Lucian Loren Ramos, 18 anos, que começou a sonhar em ser maestro quando atendeu ao pedido do maestro Isaac Karabtchevsky durante um concerto com a Orquestra Sinfônica Brasileira, na Caixa Cultural. ;Ele chamou alguém do público para reger e eu fui. Tinha 10 anos. Gostei. Antes disso, sabia que queria viver de concerto. Depois, quis ser regente.; Do outro, Rômulo Benício, formado em regência pela Universidade de Brasília (UnB), em busca de reforço na experiência acumulada.


Cinco perguntas - Claude Brendel

Como incorpora ao universo de um conservatório as linguagens populares?
Há alguns anos, na França, estamos trabalhando pela democratização cultural, que é o acesso à cultura para todos. E esse acesso, acredito, deve passar primeiro pela escola. Temos cada vez mais músicos que trabalham nas escolas e são formados para isso. Claro, é um desafio. Na cabeça das pessoas, em um Conservatório só se faz música clássica, só se toca Bach, Haydn e Mozart e se faz apenas dança clássica com tutu, assim como só se encena Moli;re e Corneille. Mas isso mudou muito.

Como isso foi possível?
O fato de ter deixado entrar na instituição práticas artísticas que não esperávamos mudou muito as coisas, criou aberturas, permitiu que chegássemos a um outro público, porque as pessoas que se interessam pelo jazz, pelas músicas do mundo e pela canção tradicional não são as mesmas e não têm as mesmas expectativas que as que estão em busca de clássicos. Agora, há outra coisa muito importante: enquanto continuarmos a colocar as pessoas em uma caixa e fecharmos com uma tampa nada vai funcionar. É preciso que, no cotidiano, todas as expressões artísticas possam se encontrar e se misturar.

E isso pode mudar a maneira como a música clássica venha a ser praticada no futuro?
O músico clássico é muito apegado à partitura, à escrita e isso pode nos isolar e nos trair, nos privar de uma certa liberdade. E quando se propõe a um músico clássico de fazer jazz, que é uma música tradicional fundamentada na oralidade, na memorização, sem partitura, isso libera consideravelmente a maneira como se expressa e lida com o instrumento. Saímos de um quadro de paralisação para nos tornarmos muito mais livres e respirarmos muito mais.

E isso já pode ser visto em cena, nas gravações e nas salas de concerto ou ainda é algo para gerações futuras?
Não conheço a realidade no Brasil, mas na França isso é visível no espetáculo. Se quisermos, ao dirigir um conservatório, conceber uma formação artística defensável, seria preciso se interessar pela evolução do terreno e do espetáculo enquanto tal. Nas últimas estatísticas, constatou-se que o público está aumentando muito na área de ópera. Isso não é um acaso: quando você vai ver uma ópera você tem ao mesmo tempo a música, o canto, o teatro ; porque há um jogo que se passa em cena ;, e às vezes também a dança. O público hoje procura o espetáculo completo. Ele não está mais tão disponível para escutar uma sinfonia de Mozart.

E nesse cenário qual o lugar das bandas sinfônicas?
Com uma banda sinfônica, você pode tocar um repertório clássico porque há excelentes arranjadores que têm ótimas transcrições. Isso permite imergir no estilo e saber o que é tocar uma abertura de Mozart, por exemplo, ou como é a estética de Brahms. Nesse nível, é muito importante, faz a orquestra progredir na parte técnica, coisa que nem sempre é fácil. Isso pode ser uma vantagem pedagógica. E claro, tem todo o repertório original escrito para as bandas. Felizmente, temos muitos compositores que se interessam e propõem coisas diferentes. E tem todas as versões, as canções, as variedades, a comédia musical. Há realmente possibilidades muito elásticas na banda. Ela pode fazer tudo, é a vantagem desse tipo de orquestra.

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