Nem todos os espectadores de teatro tomam consciência de que, antes de ganhar atores, cenário, figurino, iluminação e todos os requintes, aquele trabalho originou-se de um texto. Mas a diretora e dramaturga Paula Braga percebeu a força desse elemento e resolveu colocar um holofote nesse estado cru do processo teatral. Depois de enfrentar dificuldades para arrumar patrocínio com o objetivo de montar uma peça, ela decidiu fazer uma leitura dramática. Os autores de textos para teatro aderiram à ideia e a Mostra de Dramaturgia de Brasília inicia sua sexta edição hoje, a partir das 18h, na Sala Cássia Eller, da Funarte. A programação segue até quinta-feira.
;As pessoas têm visto a mostra como um primeiro contato com o texto. A partir da avaliação e do debate, decide-se a necessidade de patrocínio para montagem da peça ou não. Assim como há textos engavetados, que não deram certo, há outros que vão para os palcos;, avalia Paula, que pesquisa autores da cidade na internet e fica atenta ao boca a boca da classe artística. Ainda assim, garante ela, a tarefa é árdua. Não há muita renovação no setor e os próprios dramaturgos não têm o hábito de incensar suas criações. ;Tem muita gente que escreve sempre, mas não está no mercado. Acaba construindo uma ilha para produzir e tem dificuldade de sair dela;, aponta.
A novidade desta edição, destaca a curadora, é a realização de uma obra de dramaturgia aberta, em que o texto orienta as ações, mas não as limita, em um contexto de mudança constante da ação dramática. Na edição anterior, realizada em 2009, a mostra registrou a participação de um grupo pela primeira vez. Não é necessário que o material seja inédito e cada dramaturgo define como será a sua participação: cabe a ele definir o diretor, os atores e recursos usados na interpretação de seu texto.
Debates
O ciclo será aberto pela montagem Balada dos cães raivosos ou ainda bem que os elefantes não são carnívoros, de Valnir Pasquim. ;É um trabalho mais denso, que se encaixa no gênero da tragédia e trata da condição humana;, explica Paula Braga. A segunda atração será o monólogo Da Paz, de Manuela Castelo Branco e Tatiana Carvalhedo. ;Esse trabalho será apresentado por inteiro. As duas são da nova geração, estão vindo se apresentar e passar pelo crivo dos debates que sucedem cada apresentação;, esclarece ela.
Reinaldo Vieira, autor de Cartas aos pais, figurou entre as escolhas da curadora por ter uma produção constante como dramaturgo, ator e diretor. ;Em seu texto, ele cria uma espinha dorsal que aproxima três homens aparentemente diferentes;, conta ela.
Já em Serpentes que fumam, a Andaime Cia. de Teatro vai lançar exercícios que acabarão compondo um bordado cênico. ;É mais uma ação do que um espetáculo teatral;, define Paula.
Guetera é a dramaturgia autobiográfica da atriz Cássia Gentile. Suas reflexões sobre a condição feminina, as relações com filhos, pais e marido e as formas de conviver abrangem a vida de muitas mulheres, assegura Paula. ;Ela acompanhou uma leitura em uma das edições anteriores da mostra e disse que gostaria de participar. Trouxe um trabalho bastante pessoal;, avalia.
A mostra se encerra com Shirley da Conceição, de Nielson Menão, que aborda, para retratar a luta de classes, a vida de uma faxineira e de sua filha. ;Ele estava parado há 10 anos e queria retomar sua escrita;, conta a curadora.
6; MOSTRA DE DRAMATURGIA DE BRASÍLIA
De hoje a quinta-feira, a partir das 18h, na Sala Cássia Eller, Funarte (Eixo Monumental, Setor de Divulgação Cultural). Informações: 3322-2025. Entrada franca. Não recomendado para menores de 14 anos.
Na agenda
Hoje, às 20h
Balada dos cães raivosos ou ainda bem que os elefantes não são carnívoros, de Valnir Pasquim. Direção de Pecê Sanvaz. Com Vanessa Di Farias, Dênis Camargo, Túllio Guimarães, Andrade Jr., Ricardo César e Alex Bernardo. Sinopse: Em um mundo devastado, coberto de lixo e decadente, homens e cães disputam o mesmo espaço e os alimentos. As personagens começam a se questionar sobre o inferno da criação e sobre a competência de Deus. Com humor ácido, o texto discute a perpetuação da espécie e a existência.
Amanhã, às 20h
Da Paz, de Manuela Castelo Branco e Tatiana Carvalhedo. Direção de Francis Wilker. Com Tatiana Carvalhedo. Música de Felícia Castelo Branco. Sinopse: Da Paz é palestrante talentosa, de origem urbana e senso de humor de sobra. O texto aborda sua relação consigo mesma, com os outros e o ambiente que a cerca, traçando um retrato da diversidade cultural.
Amanhã, às 21h
Cartas aos pais, de Reinaldo Vieira (texto e direção). Com Eduardo Suindara, Pecê Sanvaz e Samuel Cerkvenik. Sinopse: Três homens ; um presidiário, um doente mental e um estudante ; falam sobre suas vidas e problemas por meio de cartas enviandas aos pais. Embora pareçam diferentes, eles têm algo em comum.
Quarta, às 18h
Serpentes que fumam, edição de Natal, da Andaime Cia de Teatro. Com Ana Luiza Bellacosta, Kamala Ramers, Larissa Mauro, Lucas Ferrari, Patricia Del Rey e Márcio Menezes. Sinopse: A peça desloca o foco do objeto cênico para a ação. O valor que antes se atribuía aos elementos dramatúrgicos (enredo, personagens, conflito dramático) passa a residir no ato cênico em si: na presença dos artistas, na intenção de desestruturar as certezas do espectador e do próprio ator sobre a arte e a vida.
Quarta, às 21h
Guetera, de Cássia Gentile. Direção de Verônica Moreno. Com Cássia Gentile. Sinopse: O espetáculo compartilha as descobertas de uma mulher que se imaginava perdida e que renasce das cinzas. Nos dias atuais, em que a mulher se tornou um borrão de atividades, sofrendo pressões em todos os sentidos, ela perde a sua essência. A peça busca o feminino sagrado, a alegria e o equilíbrio.
Quinta, às 20h
Shirley da Conceição, de Nielson Menão. Direção de Júlio César Pavolak. Com Nielson Menão e Pedro Sena. Sinopse: Mãe mantém a filha trancada dentro de casa para protegê-la do mundo, mas ela mesma não consegue resolver seus problemas cotidianos.