João Bosco está entre os raros artistas da MPB que, ao fazer o que poderia ser singelo, um recital de voz e violão, eleva-o à condição de um concerto, rico em timbres e sonoridades. Esse feito foi testemunhado pelo público que lotou o Teatro da Caixa no sábado e no domingo para assistir-lhe. O cantor e compositor mineiro ganhou aplausos calorosos, ao revisitar, em clima intimista, sua extensa obra e de lá extrair pérolas musicais presentes na memória afetiva dos fãs.
Poderia ter sido um show perfeito, se não houvesse baixado um João Gilberto em cena, levando o xará a algumas interrupções para reclamar de problemas do microfone ; algo que passou despercebido pelos espectadores. Numa das trocas de bateria, João deixou no ar a possibilidade de ter sido ludibriado, ao adquirir o tal aparelhinho. Na plateia, um gaiato aproveitou a deixa para fazer referência à ;Feira do Paraguai;.
Mas quando colocou a voz grave, bem modulada, e o violão que usa magistralmente, e de forma personalíssima, a serviço de suas belas composições, superou o perrengue com maestria. Abriu o show com o clássico Mestre-sala dos mares, que saúda o primeiro almirante negro da história da Marinha brasileira. A partir daí, enfileirou num set irrepreensível de sambas, como De frente pro crime, Coisa feita, Nação, Incompatibilidade de gênios, Nação e, claro, O bêbado e a equilibrista.
Rubro-negro confesso, João usou figurino que remetia ao Botafogo ; calça, tênis e boné pretos, camisa branca e gravata preta de bolinhas brancas ; e homenageou Chico Buarque, torcedor do Fluminense, ao interpretar Bom tempo, segunda colocada na Bienal de Samba de 1968. Só que, no verso ;Satisfeito, alegria batendo no peito/ O radinho contando direito a vitória do meu tricolor;, ele substituiu ;meu tricolor; por ;seu tricolor;. Ao prestar tributo a Tom Jobim e a Adoniran Barbosa cantando Águas de março e Saudosa maloca, lembrou que ambas ; uma se opondo à outra ; traziam a palavra construção na letra.
Na segunda parte do recital, reuniu canções melodiosas, que, certamente, embalaram romances de muitos dos admiradores. Isso pôde ser constatado pela acolhida que receberam Corsário, Desenho de giz, Jade e Memória da pele. Para complementar, Bosco recriou Lígia, outra joia rara de Tom Jobim. Durante toda a apresentação, ao fim de cada canção, o cantor agradecia os aplausos com o seu conhecido bordão: ;Obrigado, gente!” ; título de um dos shows anteriores.
Diante dos apelos efusivos, o cantor não se fez de rogado e voltou ao palco para o bis, provocando delírio com as aguardadíssimas Quando o amor acontece e Papel marchê. ;João é um ícone da música popular brasileira. Acompanho a carreira dele desde a época de estudante e me emociono sempre quando ele canta Corsário, Papel marchê e O bêbado e a equilibrista;, disse a dentista Andréa Ribeiro, que assistiu ao show com o marido, Leonardo.
Show de luzes
; No domingo, as pessoas que foram ver a apresentação de João Bosco pararam, à saída do teatro, para assistir à inauguração da decoração natalina do prédio da Caixa Econômica ; transformado em uma imensa vela ; e à queima de fogos de artifício.