;As datas deveriam nos fixar no tempo como as coordenadas geográficas nos fixam no espaço, mas a analogia não funciona.; A primeira sentença do novo livro de crônicas de Luis Fernando Verissimo, Em algum lugar do paraíso (Objetiva), dá o tom ; para usar um termo musical, já que o escritor é também um esforçado saxofonista, desde os 16 anos ; de mais uma viagem filosófica do ás dos textos breves pelo cotidiano eternamente renovável de homens, mulheres e suas decisões ora brilhantes, ora atrapalhadas.
Nas narrativas do gaúcho, as incoerências de seus personagens ganham contornos cômicos, ou mesmo tragicômicos, mas deixam entrever beleza até nas situações absurdas. Em entrevista por e-mail ao Correio, ele reconhece que suas criações revelam algo parecido com um paraíso de belas imprecisões: por fim, erros e desvios podem não ser tão decisivamente ruins assim. ;Não tinha pensado nisso, mas acho que é uma boa descrição do que faço, bem ou mal. Transformar pequenas tragédias do cotidiano em humor;, admite.
Mesmo cômico ; às vezes de maneira involuntária ;, Verissimo explora paragens sombrias, mas com a leveza de um narrador que nunca chega a mergulhar de cabeça na melancolia. Em Víamos nossos pés, ele se declara um amante de outono e confessa a aversão ao verão, uma estação de ;indignidade;. ;Sempre digo que a praia seria um lugar ótimo se não fossem a areia, o sol e a água fria. É só uma frase;, ele brinca. Em outro arroubo de ironia, diz que ;não é uma boa estação para a literatura descritiva;, ao justificar uma frase interrompida pela metade. Um autor que, depois de décadas produzindo material em outros suportes e moldes (teatro, cinema, tevê, romance, quadrinhos), hoje também é um cronista de si mesmo.
Desde Adão e Eva
A variedade de assuntos não inscreve a coletânea de 41 textos em assuntos fechados. Mas a maioria explicita as habituais diferenças entre os sexos ; e joga com as possibilidades das escolhas. O simples termo ;e se; define bem o conteúdo de algumas páginas. ;Não chega a haver um tema unificador nas crônicas, como havia, por exemplo, em As mentiras que os homens contam (Objetiva). Talvez o que algumas têm em comum poderia se chamar ;depois do paraíso perdido;, pois tratam das difíceis ou engraçadas relações homem/mulher depois do primeiro encontro, o bíblico;, analisa o porto-alegrense.
As personas são muitas: até George Clooney e Pato Donald aparecem nas narrativas. O mais descansado dos animais também tem o seu raro momento de brilho. Na bem-humorada A preguiça, Luis Fernando Verissimo reserva observações elogiosas sobre ela (o bicho): ;Há outros animais contemplativos na natureza, mas nenhum com tanta convicção da própria inutilidade;. Sorte a do leitor que Verissimo, apesar de achar que tem vocação para ser aposentado, odeia o ócio.