Daqui a algumas décadas, os cinéfilos puristas verão 2011 com olhos marejados: foi o ano em que a película, decisivamente, começou a correr risco de desaparecer de vez da indústria e o 3D se tornou catalisador de bilheterias gigantescas ; Harry Potter e as relíquias da morte: Parte 2 e Transformers: O lado oculto da Lua só perdem para Avatar e Titanic na lista das maiores arrecadações da história. Mas, fato curioso, justamente nos dois últimos meses ; em que o falatório em torno dos possíveis indicados ao Oscar se intensifica a cada fim de semana ;, três lançamentos importantes parecem fora de tempo e lugar. São filmes sobre um cinema do passado, de décadas que até hoje projetam sonhos, fantasias e ideias na mente de diretores, atores e espectadores. E que podem marcar presença no anúncio de 24 de janeiro, quando serão conhecidos os participantes da 84; cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Hollywood.
A magia de Méli;s
O mais popular do trio, A invenção de Hugo Cabret (lançamento no Brasil em 17 de fevereiro), marca a primeira experiência de Martin Scorsese numa produção leve, feita para toda a família e filmada em três dimensões. Autor de crônicas urbanas violentas, como Taxi driver e Os bons companheiros, o nova-iorquino quis rodar uma história que pudesse ser assistida pelas crianças. E, também, que agradasse a ele próprio, um apaixonado pelas tradições do cinema. Sua experiência como mantenedor de restaurações de velhos filmes anda em sintonia com o livro homônimo ilustrado que inspirou o filme, de Brian Selznick ; não por coincidência, parente direto de David O. Selznick, produtor de ;E o vento levou (1939) e mais uma dezena de clássicos.
Hugo (Asa Butterfield) é um garotinho órfão, que mora na Paris dos anos 1930. Escondido na estação de trem de Montparnasse, é amigo de Isabelle (Chlo; Grace Moretz), filha do pioneiro Georges Méli;s (Ben Kingsley), de Viagem à Lua (1902), que agora vive do comércio. O menino guarda um curioso robô, herança recebida do pai (Jude Law), e, por causa do segredo, é protagonista de uma fantástica aventura.
Para Scorsese, a nostalgia abre um diálogo com a tecnologia e as crianças de hoje. ;Sou um sortudo por ter uma filha de 12 anos. Quando vou trabalhar, posso ver o mundo por meio dos olhos dela;, contou ao portal da revista britânica Time Out.
O National Board of Review, conselho da crítica de cinema dos Estados Unidos, premiou Hugo como melhor filme do ano. Scorsese foi mencionado como melhor diretor. Da última vez que a instituição se lembrou dele, por Os infiltrados (2006), ele saiu do Oscar pela primeira vez com estatuetas de direção e filme ; após cinco derrotas. Roteiro de reprise?
Produções retrô
O círculo de críticos de Nova York, outra associação fundamental para a temporada de premiações, também se entregou à onda de nostalgia: o drama The artist retorna a 1927, era das estrelas do cinema mudo. E o francês Michel Hazanavicius, conhecido por produções retrô (como Agente 117), filmou tudo como se estivesse nas primeiras décadas do século passado: sem som e no aspecto 1.37:1 (usado até os anos 1950), ele narra a angústia de George Valentin (Jean Dujardin, melhor ator em Cannes), um astro da película silenciosa, diante da chegada dos filmes falados.
Apesar do burburinho que acompanha The artist desde a exibição em Cannes, no primeiro semestre, Hazanavicius é modesto. ;Disse aos executivos: ;se fizermos um bom trabalho, pode ser um filme de prestígio. Podemos entrar em alguns festivais, e não vai fazer muito dinheiro na França, mas poderemos vender para o mundo inteiro, porque não tem idioma, é sobre Hollywood, e todo mundo conhece Hollywood;. Quando você não é americano, você nem sonha com o Oscar. Não é para nós;, disse ao portal A.V. Club.
A The Weinstein Company, dos irmãos Bob e Harvey (ex-Miramax), é dona do romance, ainda sem distribuição no Brasil. A produtora também adquiriu My week with Marilyn sobre os bastidores de O príncipe encantado (1957), com o galã Laurence Olivier e a trágica musa Marilyn Monroe.
Dirigida por Simon Curtis, a atriz Michelle Williams, duas vezes indicada ao Oscar (O segredo de Brokeback Mountain e Namorados para sempre), encarna a estrela de O pecado mora ao lado (1955) e Quanto mais quente melhor (1959). Na escolha dos críticos de Nova York, ficou atrás da infalível Meryl Streep, a Margaret Thatcher de A dama de ferro. Agora, resta saber se os filmes sobre o passado serão tão duradouros quanto os homenageados. Com ou sem uma estatueta dourada.