No lançamento de Katyn (2007), Andrzej Wajda, o cineasta mais importante da Polônia, falou à revista inglesa Sight & sound sobre a intimidade com tragédias bélicas, sobretudo a Segunda Guerra Mundial. ;Sobrevivi à guerra. Eu sei o que o medo, a morte súbita e a pobreza representam. Por que eu não deveria contar essas coisas às pessoas? Especialmente porque nunca fui tentado pela ilusão de ter um público grande, internacional;, respondeu. Seus filmes evocam um imaginário nacional de dor e opressão e, ao mesmo tempo, conectam-se à experiência dos povos que sofreram censura e violência na mão de ditaduras, no século passado. Mas, na terceira edição do Festival de Cinema Polonês, que começa hoje e termina no dia 16, um lado menos engajado de Wajda será projetado, em formato digital, na tela do Auditório 1 do Museu Nacional Honestino Guimarães, do Complexo da República. Onze títulos, entre comédias e adaptações, exibem um diretor apaixonado pela literatura de seu país e por personagens delicados e nostálgicos.
Karolina Mazo, da Embaixada da Polônia e coordenadora da mostra, explica a preferência por obras obscuras e a ausência de outras conhecidas do público cinéfilo, como O homem de ferro (1981), única Palma de Ouro do realizador, e Danton ; O processo da revolução (1983), drama histórico com Gérard Depardieu. ;Esses são fáceis de achar em DVD. Escolhemos alguns mais raros, que, com certeza, os brasileiros teriam problemas em achar. Ele sempre foi considerado um autor de filmes pesados, fortes, mas é também um homem da comédia, especialmente nos tempos atuais, em que a Polônia está em situação melhor que no passado. Ele está mais velho e tem mais leveza. Parece não sentir mais a necessidade de chocar tanto o público;, ela analisa.
Catálogo de gêneros
Wajda iniciou sua carreira em longas-metragens em paralelo à criação da Escola Polaca de Cinema, na metade dos anos 1950: momento de afirmação de uma linguagem combativa, contrária aos interesses oficiais do estado polonês e às exigências do circuito comercial. Dessa fase, o festival resgata Os inocentes charmosos (1960), que enquadra um casal jovem de comportamento pouco recatado para aqueles tempos. Juntos, eles passam dias tediosos, mas pontuados de sugestões eróticas. Primeira e única ficção científica, produzida para a tevê, o curta O mesclado (1968) reproduz em película o roteiro do fundamental escritor polonês Stanislaw Lem (Solaris), sobre dois pilotos de corrida que saem quase mortos de um acidente e que, depois, são submetidos a curiosos transplantes de órgãos.
Painel cronológico
A retrospectiva também compõe um painel cronológico da filmografia do diretor, que completou 85 anos em 2011. O homem de mármore (1977), As senhoritas de Wilko (1979), uma de suas quatro indicações ao Oscar de melhor filme estrangeiro, e O maestro (1980) vêm da época mais celebrada e premiada de Wajda. No segmento contemporâneo, das duas últimas décadas, os destaques ficam por conta de adaptações literárias, como Crônica dos acidentes amorosos (1995), baseada em romance de Tadeusz Konwicki, Senhor Tadeu (1999), de Adam Mickiewicz, e os recentes A vingança (2002), comédia de época com Roman Polanski no elenco, e o experimental Cálamo (2009), que competiu no Festival de Berlim e estreou no Brasil na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com o título Alga doce.
A longa trajetória inspirou troféus honorários dos festivais de Berlim (1996) e Veneza (1998) e do Oscar (2000). Mesmo já reconhecido, Wajda está longe de se aposentar das câmeras. Há poucos dias, começou a rodar uma cinebiografia de Lech Walesa, ex-presidente da Polônia (1990-1995), fundador do movimento Solidariedade e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, em 1983. Mais uma vez, o mestre parece dizer: política ainda é assunto particular.