Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Ney, o inclassificável

Em 1997, quando lançou o CD O cair da tarde, Ney Matogrosso imaginava uma ilha no palco, dentro de um lago, com duas bandas: uma seria a que gravou o álbum com ele; a outra, o grupo mineiro Uakti. ;Parei pra pensar e cheguei à conclusão de que iria arrumar sarna pra me coçar;, lembra hoje o cantor, ao comentar um dos períodos mais marcantes dos 40 anos de carreira. Foi com esse disco ; no qual interpretou Heitor Villa-Lobos, Tom Jobim e temas folclóricos ; que Ney assumiu o comando do próprio trabalho. E passou a cantar só o que bem quis . ;Até então, era tudo na mão do Mazzola;, explica, referindo-se ao produtor com quem trabalhou entre 1975 e 1996. ;Gosto das coisas que o Mazzola fazia. Só que a última palavra era dele, e num dado momento eu queria que fosse minha.;

O depoimento reproduzido pelo pesquisador Rodrigo Faour, responsável pelos textos e pela coordenação da caixa Metamorfoses, dá uma ideia do que encontrar nesses 16 CDs. Quinze foram lançados originalmente entre 1993 (As aparências enganam) e 2009 (Beijo bandido) ; ou seja, quase todos da fase em que Ney já era dono do nariz. O bônus é uma coletânea dupla, com 31 faixas, a maioria gravações avulsas desse período, pinçadas de songbooks, trilhas de novelas e projetos especiais. Apenas quatro fonogramas não são dos anos 1990 e 2000. Foram registrados nas décadas de 1970 e 1980 e só entraram agora porque não haviam sido autorizados a tempo de entrar na caixa anterior, Camaleão (com álbuns de 1975 a 1991).

Intérprete extraordinário, Ney Matogrosso alternou discos introspectivos e extrovertidos nesses 16 anos de que a caixa trata. Cantou com a maior elegância Cartola, Chico Buarque, Assis Valente, Synval Silva, músicas do repertório de Angela Maria e de Carmen Miranda. Desabusado, saiu de Villa-Lobos e Tom Jobim (em O cair da tarde) para cair na MPB pop de Lenine, Luli, Fred Martins, Itamar Assumpção e Luiz Tatit (em Olhos de farol). E foi mais longe com Pedro Luis e a Parede (em Vagabundo), cantando Jackson do Pandeiro, Secos & Molhados, André Abujamra, Lula Queiroga, Martinho da Vila. É samba que eles querem? Ele tem. É rock? Ele faz. E como faz bem.

Duetos
Em Metamorfoses, a compilação dupla que leva o mesmo nome da caixa, Ney divide a cena com os cantores mais variados. Estão lá, entre outros, Roberta Sá (Lavoura), Lucina (Choro de viagem), Pedro Aznar (Joana Francesa), Elza Soares (Tem que rebolar), Angela Maria (Babalu), Cauby Peixoto (Toda vez que digo adeus), Hebe Camargo (O samba e o tango), Chitãozinho & Xororó (Asa branca), Marinês e sua Gente (Lamento sertanejo).

Os quatro registros mais antigos são Pra não morrer de tristeza, na versão da novela Saramandaia, de 1976 (diferente da que entrou no disco Bandido), e três gravações de 1986: Na chapada (com Tetê Espíndola); o choro Quem é (com Marlene, repetindo o dueto de Carmen Miranda e Barbosa Junior em 1937); e Os avisos; (terceiro), poema de Fernando Pessoa musicado por André Luiz Oliveira para o LP Mensagem.

Entusiasmado, exuberante, atrevido e sempre elegante, Ney Matogrosso, felizmente, não quer saber de canto cool. Ele se envolve de verdade com tudo que interpreta. É por isso que não envelhece.

Os discos
; As aparências enganam (1993)
; Estava escrito (1995)
; Um brasileiro (1996)
; Vinte e cinco (1996)
; O cair da tarde (1997)
; Olhos de farol (1999)
; Vivo (1999)
; Batuque (2001)
; Ney Matogrosso interpreta Cartola (2002)
; Ney Matogrosso interpreta Cartola ao vivo (2003)
; Vagabundo (2004) ; com Pedro Luis e a Parede
; Canto em qualquer canto (2005)
; Vagabundo ao vivo (2006)
; Inclassificáveis (2008)
; Beijo bandido (2009)
; Metamorfoses (2011)

e leia os comentários de cada disco.