Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Projeto de Ridley Scott reúne produções de 192 países gravadas em um dia

É missão quase impossível. Só uma pessoa com muito tempo livre, disposição e paciência se arriscaria a tentar assistir a todos os vídeos amadores ; dos bizarros aos bem acabados ; que são postados no YouTube diariamente. Pois os irmãos cineastas Ridley (Blade runner) e Tony Scott (Top gun), acostumados a projetos com grandes estrelas e gordos orçamentos, decidiram dar conta de pelo menos um dos 365 dias do ano. E o escolhido foi o 24 de julho do ano passado. A convocação motivou 80 mil inscrições de 192 países, num total de 70 mil horas de material subido à página. Do montante, Kevin Macdonald, diretor do drama O último rei da Escócia (2006) e premiado com o Oscar pelo documentário One day in september (1999), usou cerca de 4,5 mil horas e despachou 400 câmeras para capturar imagens em países em desenvolvimento, onde o acesso à tecnologia é limitado. O saldo daquele 24 de julho está comprimido em apenas 95 minutos no filme A vida em um dia, disponível no YouTube desde o fim do mês, com legendas em 25 línguas.


A intenção de Ridley e Tony era fazer com que o doc reproduzisse as atividades comuns ; e algumas nem tão triviais ; de habitantes de todas as partes do globo: o despertador interrompendo o sono dos dorminhocos, café da manhã, ida ao trabalho, a soneca depois do almoço e também rotinas curiosas de personagens alçados a protagonistas na narrativa, como a de um coreano que dá a volta ao mundo de bicicleta. ;A equipe de edição teve 25 assistentes e eles ficaram dois meses e meio só assistindo. Eles deram cotações de um a cinco e eu vi os que receberam quatro e cinco. Passamos seis ou sete semanas somente vendo os melhores;, contou Macdonald ao portal Indiewire.

Do Ocidente ao Oriente
Quem certamente teve o maior trabalho durante a organização de A vida em um dia foi o montador Joe Walker, que, ainda em 2011, responde pela edição do aguardado Shame, de Steve McQueen, favorito da crítica no Festival de Veneza. A proposta de não deixar quase ninguém de fora é generosa, mas o corte final, acrescido de trilha sonora, revela uma certa preferência pelos falantes do inglês ; sobram produções caseiras, confessionais e cotidianas de norte-americanos e britânicos.


Quando a coletânea observa hábitos africanos e orientais, a curadoria parece indecisa entre focalizar o exotismo alimentar, religioso e sentimental de alguns povos ou dar um tratamento menos deslumbrado aos selecionados. Na única sequência aparentemente enviada por um brasileiro, um trêmulo cinegrafista enquadra o nascimento do filho. E, em seguida, cai no chão desmaiado. O novo pai é acudido pela equipe médica com palavras ditas num português bastante familiar.


Saltam aos olhos segmentos corajosos e espontâneos, como um jovem americano que telefona para a avó, revela seu relacionamento amoroso com um homem e, felizmente, ouve em retorno palavras afetuosas. A antologia não esconde imagens fortes ; violentas aglomerações urbanas, uma vaca sendo abatida e outras mais. A humanidade desnudada por ela mesma.