Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Na Funarte, exposições exploram imagens e sons para aguçar o espectador

Em certo ponto da história do cinema, som e imagem foram finalmente colocados juntos. ;A coisa muda que aprendeu a falar;, na definição do cineasta e teórico soviético Sergei Eisenstein, acostumou espectadores do mundo todo a assistir aos fotogramas em sincronia com trilhas e diálogos. A separação entre as duas esferas é uma das coisas a se notar nos projetos contemplados pelo Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2011, que serão abertos para visitação ao público a partir de amanhã, no Setor de Divulgação Cultural. No dois exemplos, o trabalho é feito separadamente. Um deles faz uso da sonoridade, enquanto outro investe na visualidade casada com a espacialidade da instalação.

A videoinstalação Em um lugar qualquer ; Outeiro, do paraense Dirceu Maués, é um registro fotográfico feito com máquinas pinhole construídas com caixas de fósforos. Em um dia, Maués reuniu seis fotógrafos de Belém para registrar a praia de água doce, Outeiro ou Caratateua, localizada perto de Belém (PA). As imagens capturadas em sistema analógico foram encadeadas na ilha de edição digital até virar uma animação. Os trechos captados por cada fotógrafo foram alinhados lado a lado numa estrutura circular da Galeria Fayga Ostrower, na Funarte.

A instalação permite que o visitante observe Outeiro numa panorâmica de 360;. ;Para mim, o processo é muito importante nesse trabalho. Ele tem um tempo diferente da fotografia em máquinas comuns por causa da exposição necessária para captar as cenas. As imagens que fazem parte da projeção não são instantâneas em série como no cinema. Normalmente, são feitas por muitos borrões. As pessoas em movimento aparecem manchadas, as tomadas não têm um tempo linear. É uma quebra diferente. São fugidias em que os modelos podem simplesmente desaparecer no ar;, descreve Maués.

Ecos do nada
A invisibilidade é a arma da instalação sonora Passagem de som ; Instalação sonora na arquitetura da Marquise da Funarte, de Rodrigo Paglieri. Feita para ecoar nos ouvidos dos transeuntes que passam embaixo da estrutura, a instalação não trabalha com paisagens sonoras captadas na rua. ;A marquise liga o nada ao lugar nenhum. E assim como todo urbanismo brasiliense, ela afasta as pessoas pela sua monumentabilidade;, explica Paglieri.

Para reformular o espaço sonoro da estrutura, o artista traçou um paralelo que talvez passe despercebido para quem ouvir o som planejado pelo artista. ;O projeto da Funarte do Rio de Janeiro foi feito pelo urbanista Lucio Costa. A ideia era captar os sons da região e do centro do Rio e trazê-los para cá. Eu e o músico e técnico de som Luiz Oliviéri passamos três dias captando os sons comuns de um grande centro urbano;, detalha o artista.

Agora, com a instalação montada, os sons serão emitidos por caixas embutidas na canaleta de luz da marquise. A proposta é trabalhar com ruído controlado. ;Nós vamos trabalhar com o som surround, que é espacial e feito para situar as pessoas nesse centro urbano. Algumas vezes, ouvem-se duas pessoas conversando ou então o som da cidade;, explica.

Mesmo apresentando trabalhos tão diferentes entre si, os dois artistas têm em comum o fato de situarem suas inquietações em ambientes ocupados por pessoas comuns, habitantes de grandes cidades. ;Trabalho com intervenções urbanas há algum tempo. Tenho interesse em pensar o espaço público e aberto de Brasília e gosto de resignificar os lugares, o que me interessou aqui foi colocar gente nesse lugar;, assegurou Paglieri.

Se nos espaço brasilienses faltou ocupação humana física, em Belém, é justamente o contrário. ;Escolho lugares mais populares onde a relação das pessoas com a cidade é mais evidente. Apesar de ser uma praia, ela não é afastada, fica próxima do centro e é frequentada por muitas pessoas, Acho que o trabalho tem a ver com essa paisagem democrática onde se fazem as próprias regras. O processo que usamos no trabalho também subverte a questão da tecnologia que é vendida. Nessa sociedade de consumo em que as coisas são impostas, o não uso da câmera industrial é uma espécie de subversão;, explica o paraense.

O fotógrafo fará uma oficina gratuita de câmeras artesanais no Centro Cultural Casa das Artes (102 Norte, Bl. C, subsolo) entre 5 e 9 de dezembro. Informações: 3031-6615.

EM UM LUGAR QUALQUER ; OUTEIRO
Videoinstalação do fotógrafo Dirceu Maués misturando fotos analógicas com tecnologia digital em exibição na Galeria Fayga Ostrower no Complexo Cultural da Funarte (Setor de Divulgação Cultural, entre a Torre de TV e o Centro de Convenções; 3322-2076 e 3322-2029). De 24 de novembro a 25 de dezembro. Diariamente, das 9h às 21h.

PASSAGEM DE SOM
Intervenção sonora, de Rodrigo Paglieri, na arquitetura da Marquise do Complexo Cultural Funarte (Setor de Divulgação Cultural, entre a Torre de TV
e o Centro de Convenções; 3322-2076 e 3322-2029). De 24 de novembro até 25 de dezembro. Diariamente, das 9 às 21h.