Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Antonio Banderas e Salma Hayek falam sobre o filme Gato de Botas

Rio de Janeiro ; Numa das mais divertidas cenas de Gato de Botas, em clima de spaghetti western, um felino mirrado faz o pedido, no balcão do saloon: "Um leche". Alvo de chacota pelos beberrões do local, em frente ao copo e com movimentos que imitam à perfeição os de um gato de verdade, ele tira a comprida língua que não desgruda do copo. O detalhe é que, de ar inocente, o gato carrega uma afiada língua, capaz de, em segundos, silenciar a todos no recinto. Dono da garganta que dá voz ao personagem (a partir de 9 de dezembro, nas salas de cinema), o ator Antonio Banderas, em passagem pelo Rio de Janeiro, quebra o gelo da coletiva feita no Copacabana Palace, ao assumir a voz do Gato, elogiando a música de fundo: "É tão relaxante que pareço estar lançando um Blade Runner". "Para mim, é muito difícil falar português", exime-se, logo, ele, ao comentar a restrição da língua, num filme que lhe permitiu versões em inglês, espanhol e até italiano.

O chamariz dos nomes de Banderas e Salma Hayek endossa um lançamento feito de 700 cópias para o Brasil, na qual cerca de 80% chegará dublada em português. Ao lado de Banderas, no evento, a atriz mexicana Salma Hayek ; que empresta miados e voz para a larápia Kitty Pata-Leve ; já delineia a aposta no sucesso do filme embalado pelo recurso do 3D. "No próximo, acredito que os personagens estarão no Brasil, e que dancem samba", brinca. Em tom de confissão, ela entrega o vínculo com o país. "Como produtora do longa Frida, tenho Walter Salles (de Central do Brasil) ainda como um mentor, já que ele teria dirigido o filme no qual muito contribuiu, mas não pode dirigir", diz.

Retrato
Longe das sobrancelhas espessas exigidas pelo retrato da famosa pintora, Hayek dá vida, na animação, a uma dama de bigodes. "Estive, a princípio, assustada, por haver poucas referências do papel. Criamos com o diretor, em sessões nas quais foram capturados muitos maneirismos dos atores acoplados à animação. Normalmente, não faríamos um trabalho tão próximo , nas dublagens, mas ficou mais rico, uma vez que o Antônio é uma pessoa com quem gosto de brigar (risos). Ficou maior o frescor da relação entre a minha gatinha e esse gato aí", implica.

Entre outras tiradas, a gata estranha o exagerado salto na bota do pretendente. Manter a perspectiva do Gato de Botas foi um adicional com a possibilidade do 3D, na visão do diretor Chris Miller (de Shrek Terceiro). "A aventura abre espaço para um gato mínimo, mas que tem olhar pessoal muito imponente", avalia. "Gosto tanto do personagem que não poderia traçar um paralelo comigo. Ele tem muitas facetas, como a de lidar com a amizade, mas não deixo de me interessar pelo aspecto canalha dele", entrega Banderas.

Ao celebrar uma parceria longa, a mais vistosa em A balada do pistoleiro, Banderas e Hayek parecem entrosados num tête-à-tête que não demora a se confirmar no filme, pelas sequências de dança. Sem errar de passo, Hayek é quem mais se gaba. "Em Vera Cruz (de onde vem) se dança melhor do que em qualquer lugar do México", diverte-se. "Comemoro o fato de a personagem ser feminista e tão boa com a espada quanto o Gato. Além disso, não é melodramática e, mais, que siga um rumo contrário ao da vida real, em que nós, mulheres, salvamos os homens", ri.

Versões multiplicadas
Se são as versões que multiplicam glórias e feitos de personagens fictícios que habitam um terreno impreciso como o do conto de fadas, ajustado para o aprendizado e a diversão infantis, as adaptações hollywoodianas são referência em rearranjar histórias ao agrado dos espectadores. Com o tempero de quem soube produzir mais de U$ 1,1 bilhão de renda para a franquia Shrek (de onde saltou o Gato de Botas), a DreamWorks remexeu na herança literária do francês Charles Perrault, criada quase no século 18, somando elementos de João e o pé de Feijão, do inglês Benjamin Tabart (século 19), mas numa embalagem recauchutada para deliciar as crianças pouco ingênuas que alavancam sucessos no gargalo das bilheterias.

O investimento de US$ 130 milões na produção de O Gato de Botas veio a reboque de um criativo roteiro do estreante Tom Wheeler (criador da série The cape). "O nosso Gato de Botas é espanhol, enquanto o de Perrault é francês", abrevia Salma Hayek, desencorajando qualquer comparação. "Apesar do fator em comum com a época medieval, parecia forçado se ater ao original. Optamos por seguir o nosso rumo", comenta o diretor.

Para a composição, Banderas diz ter se valido do corpo e do cérebro. Fundamental, porém, foi "transmitir a alma do personagem, através da voz". Pela energia despendida nas gravações, ele deixa clara a interferência até no roteiro. "O filme não é uma extensão do Shrek. Trata-se de um universo diferente. Não tentamos espremer algo que já foi apresentado por tanto tempo", avalia. Novidade que também alegra o ator é o fato da atual projeção da América Latina. "Ela parece bem mais saudável do que aquilo pelo qual estamos passando pela Europa. É justo esse crescimento, e isso se refletirá no benefício das expressões artísticas, futuramente", reforça.

Nos bastidores da fita, pesa bastante o comando de Jeffrey Katzenberg, representante máximo da DreamWorks Animation. "Nos últimos três anos, houve aperfeiçoamento do 3D, para além das fitas oportunistas que foram rejeitadas pelo público, que se sentiu traído. O respeito ao público vai incrementar o potencial do 3D, que ainda é enorme. O Brasil é um mercado fabuloso, com apenas 2,3 mil salas para 200 milhões de espectadores, contra as 40 mil ofertadas nos Estados Unidos para cerca de 300 milhões de consumidores. Daí, nos últimos anos, o interesse dos produtores fixarem o olho no Brasil", explica.

Duas perguntas // Antonio Banderas

O atual bom momento no cinema, com a chegada de Gato de Botas e o sucesso de A pele que habito (de Pedro Almodóvar), espelha conquistas pessoais, na mesma moeda?
Espero que o personagem de Almodóvar não seja um reflexo da minha vida pessoal. Caso contrário, estaria aqui com tesouras e todos os homens da sala estariam com medo de mim (risos). Almodóvar fala de si, por meio de metáfora, no filme. Tenho certeza de que, em casa, muito menos minha família me vê como Gato de Botas. Separo as coisas, ao máximo, quando administro intimidade e vida profissional.

Qual é avaliação, então, da boa fase?
Tenho filmes de estilos muito distintos, em cartaz. Cinema tem infinitas propostas. Gosto das duas propostas: aquela mais presa à diversão, mas, igualmente, admiro filmes que proponham reflexão. Agora, passo da transparência do Gato de Botas até a grande escuridão proposta por Almodóvar. Quando dirijo, sou muito mais eu do que interpreto. É na direção que encontro a minha própria personalidade, e me desenvolvo.