Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Dois festivais de dança contemporânea oxigenam a parca produção local

Brasília já foi reconhecida como celeiro do rock, do choro, exportou craques do esporte para o estrelato, atores para a cena artística nacional, mas nunca foi propriamente a pátria das sapatilhas, solos e improvisos. Nos anos 1980, o Endança reverberou na cidade e no país, abrindo um nicho que se mantém atuante, a exemplo de companhias como baSiraH, Alaya e Antistatusquo, entre outras. Essas iniciativas, porém, não se traduziram em tradição que chame atenção no território nacional. O momento, no entanto, é de bons ventos. Até o próximo domingo, a cidade recebe dois festivais de renome nacional no universo da dança: na Funarte, é a vez do Paralelo 16, que, depois de três edições em Goiânia, estende seus domínios à capital federal. No Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o carioca Panorama, com 20 anos de existência, traz atrações internacionais para a cidade.

Brasília pode estar entrando na rota de passagem de diversos espetáculos de dança, mas a apreciação do gênero ainda não ganhou lugar cativo na programação do brasiliense. Enquanto neste fim de semana a apresentação do bailarino irlandês Colin Dunne (com o solo Out of time) lotava o teatro do CCBB, na Funarte, o Teatro Plínio Marcos estava vazio para a performance dos cariocas da Cia. Focus, que apresentaram Ímpar. "Em Brasília, há pouca coisa acontecendo na dança. É um núcleo pequeno, fechado, não há tantas companhias e pessoas na ativa. Fazer os dois festivais ao mesmo tempo acabou dividindo o público. Você acaba tendo que escolher", avalia a estudante Isabella Motta Cardoso, 22 anos.

Vindo de Recife há cinco meses, o analista de redes (e estudante de dança) Lucas Tiné, 19 anos, afirma que a cena em Pernambuco é mais efervescente. Ainda assim, encontra opções de cursos e oficinas para continuar se aprimorando. "O problema não é dos profissionais, há muita gente boa aqui. Mas a cidade ainda é um bebê. A cena vai crescer muito em pouco tempo", profetiza. Para a estudante de artes cênicas Jéssica Madeira, 23 anos, o momento favorável à dança em Brasília tem razão de ser: recentemente, foi aberto o primeiro curso de licenciatura em dança, no Instituto Federal Brasília (IFB). "A graduação dá mais fôlego para a criação na cidade. Se tem mais gente estudando, tem mais gente na plateia", acredita. "O curso profissionaliza o bailarino e cria público", completa a amiga Dayana Casagrande, 30 anos. Praticantes de dança contemporânea e árabe, respectivamente, as duas fazem o périplo das atrações em cartaz na cidade, em busca de inspiração para coreografias.

Professor, bailarino e ator, Leandro Menezes, 28 anos, acredita que o público do DF, mais acostumado aos espetáculos teatrais, começa a dar valor à dança. E os motivos para essa valorização, segundo ele, são apoio mais sólido à realização e mais intercâmbio entre os artistas. Menezes também percebe que as plateias, antes tomadas por artistas ligados ao mundo das coreografias, agora estão cheias de rostos desconhecidos, e curiosos. "Os dois festivais juntos trazem a chance de mostrar para curadores que existe uma produção local de qualidade, bailarinos profissionais, companhias com produção ininterrupta. Já está mais do que na hora de mostrar que a dança existe aqui", afirma.

; Linguagens próprias
; No último fim de semana, os dois festivais ofereceram uma amostra da produção carioca e irlandesa ao público de Brasília. Na Funarte, a montagem Ímpar, da Focus Cia. de Dança, trouxe sete bailarinos em cena para falar de memória. Juntos, eles interferiram na movimentação uns dos outros e evoluíram em uma demarcação matemática e fluida. A narrativa, dividida em nove momentos, é fragmentada. Cenas já vistas voltam a surgir no palco, despertando a sensação de déjà vu no espectador. Já o virtuose Colin Dunne, que desde a infância encanta a Irlanda com seu sapateado, mostrou os dotes de bailarino no CCBB. Em uma apresentação vigorosa, que mistura o verbal (Dunne explica algumas tradições de seu país) aos movimentos da dança, o vídeo entra como um complemento sofisticado, revelando artistas de outros tempos que tornaram célebre a arte de sapatear.

Programe-se

Paralelo 16
Quinta e sexta, às 21h ; Escapada, espetáculo com a Cia.MN, trata da fuga do homem das grandes metrópoles, de seu sufocamento em meio a grandes massas humanas. Em cena, teatro, dança, improvisos e música ao vivo feita com percussão, violão, dan ty ba (instrumento de cordas vietnamita) e vozes. Classificação indicativa: 14 anos

Sábado, às 21h, e domingo, às 20h
; Céu da boca, com a Quasar Cia. de Dança. Em sua 22; produção, as leis da física e do universo foram o ponto de partida para criar metáforas que transitam entre ideais inatingíveis e a realidade palpável. O ambiente onírico é embalado por músicas eletrônicas contemporâneas e instrumentais. Classificação
indicativa livre.

Até domingo, na Funarte (Eixo Monumental ; Setor de Divulgação Cultural ; Lote 2 ; 3322-2019). Ingressos a R$ 10 e R$ 5 (meia).

Panorama
Amanhã, às 15h e às 18h, e quarta, às 16h
; Vice-versa, espetáculo de Victor Hugo Pontes. Espetáculo português que trabalha a percepção que as crianças têm da passagem do tempo e a consciência do próprio corpo. Classificação indicativa livre. Entrada franca, mediante retirada de senha com uma hora de antecedência

Sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 20h
; Núcleos, espetáculo de João Saldanha. Os 25 anos de atividade do coreógrafo são comemorados com uma montagem que usa o espaço como elemento ativo e as cores e luzes se destacam. Há referências ao trabalho do artista plástico carioca Hélio Oiticica. Ingressos a R$ 6 e R$ 3 (meia). Não indicado para menores de 14 anos.

Até domingo, no Pavilhão de Vidro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB ; SCES Trecho 2 ; 3108-7600).