Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Evento celebra os 100 anos do filósofo português Eudoro de Sousa

Darcy Ribeiro dizia que só se fazem sábios com sábios. E um dos mestres que ele trouxe para a Universidade de Brasília foi o filósofo português Eudoro de Sousa. A esquerda dizia que ele era de direita e a direita o acusava de ser de esquerda. O fato é que ele respondeu a inquérito policial militar durante o período da ditadura instaurada a partir de 1964, e o seu projeto do Centro de Estudos Clássicos foi totalmente destruído, reduzido a uma sala com livros na biblioteca da UnB. Mas Darcy Ribeiro tinha razão. Apesar do aparente fracasso, Eudoro formou em Brasília uma geração de mestres brilhantes e o seu legado permanece vivo, inspirando as novas gerações ao estudo da cultura clássica. Na passagem dos 100 anos do nascimento do filósofo, será realizado, hoje e amanhã, no Auditório Dois Candangos da UnB, das 14h às 21h, o evento 100Eudoro.

A homenagem começa às 14h com o VideoEudoro, de Reginaldo Gontijo e Luiz Fernando Suffiati, um precioso depoimento de 40 minutos, gravado com o filósofo pouco antes de sua morte, em setembro de 1987. Na sequência, a mesa com o tema memória terá as participações de Ordep Serra, José Santiago Naud e João Ferreira. A programação prossegue com o debate ;Filosofia neo-helênica no Brasil e na América Latina; e as intervenções de Constança Marcondes César e Júlio Cabrera. Na sequência, Constança Marcondes, Walter Menon e Leonel Antunes discorrem sobre a questão ;Filosofia e complementaridade em Eudoro de Souza;.

Espírito anárquico
Detentor de uma erudição espantosa, Eudoro era animado por um espírito anárquico e iconoclasta. Só acreditava que poderia existir uma universidade séria quando ela não concedesse diplomas, pois seria frequentada apenas pelos que verdadeiramente amassem o saber. Em Brasília, apesar de todos os problemas políticos decorrentes do golpe militar de 1964, Eudoro formou uma geração de cabeças brilhantes: Emanuel Araújo, Ronaldes de Melo e Souza, José Xavier Carneiro e Ordep Serra, entre outros. Ordep Serra, professor da Universidade Federal da Bahia, considera Eudoro um dos maiores estudiosos do helenismo que o Brasil já teve e um filósofo original: ;Tive a honra de ser aluno dele. Suas aulas eram magistrais. Os auditórios da UnB ficavam lotados, com todo mundo em silêncio;.

Ordep descarta sumariamente a acusação de que Eudoro seria de direita. Traumatizado com a ditadura salazarista e com o nazismo na Alemanha, o filósofo português não queria se meter com política. Apesar disso, ele assistia às assembleias estudantis e era amigo de Honestino Guimarães. Foi denunciado por um falso professor e respondeu a um inquérito policial militar: ;Depois disso, o Centro de Estudos Clássicos foi destruído;, conta Ordep Serra. ;A direita achava que ele era de esquerda e a esquerda também o via com desconfiança. Mas eu era de esquerda, fui seu discípulo e ele nunca interferiu em nada da minha formação política.;

[FOTO2]

Depoimento precioso
Reginaldo Gontijo e Luiz Fernando Suffiati, os dois dos diretores do VideoEudoro, sabiam que o filósofo já havia se recusado a participar de um documentário. Mas, ardilosamente, eles procuraram Eudoro com a proposta de que falasse sobre o filósofo pré-socrático Heráclito. ;Eudoro respondeu com uma frase de Heráclito: ;O filósofo vive em um tão atento estado de vigília que toda a vigília da humanidade é sono;. Disse que estava pronto para fazer o filme;, observa Gontijo. No vídeo, Eudoro afirma que a filosofia morreu e foi substituída pela tecnologia, a informática e a robótica.

Bruno Borges, de 29 anos, entrou em contato com Eudoro ao jogar xadrez com o neto do filósofo: ;Ele dizia que o avô era muito estudioso.; Quando estudava letras, Bruno ganhou uma bolsa para estágio na biblioteca da Universidade de Brasília e conheceu o acervo de livros deixado por Eudoro. A partir daí, viajou até Portugal e iniciou uma pesquisa sobre a trajetória do fundador do Centro de Estudos Clássicos da UnB. ;A maioria das pessoas não sabe que Eudoro foi um dos criadores da Universidade de Brasília. O Centro de Estudos Clássicos era chamado de ;Alexandria; pelos alunos do Eudoro;, comenta Borges. ;O sentido desse evento é lutar contra o apagamento da história de Eudoro na Universidade de Brasília.;

100Eudoro
Abertura hoje, às 14h, no Auditório Dois Candangos da UnB.

O que ele disse
;Só acredito em uma universidade séria quando elas passarem a não conferir mais diplomas. Aí, ela seria frequentada apenas por quem amasse o saber;

;A erudição serve, muitas vezes, para enfeitar os burros. É preciso pensar com os próprios miolos;

;A filosofia viveu o seu esplendor e morreu. Foi substituída pela tecnologia e pela informática. A filosofia não faz mais parte da cultura;

;O que existe hoje são estudiosos da filosofia. Mas, filósofos, não vi mais nenhum;

;A filosofia tem os seus marginais, mas talvez eles se vinguem algum dia;

Eudoro de Sousa, filósofo e fundador do Centro de Estudos Clássicos da UnB