;Coisa do outro mundo. Estou até trêmula.; A frase pronunciada por uma fã de Chico Buarque logo depois da primeira apresentação do artista no Palácio das Artes resume um pouco do que está sendo a temporada buarquiana, que teve estreia nacional em Belo Horizonte, na noite de sábado. A comoção do público ; antes, durante e após o show ; é de impressionar. Gente de todas as idades, a grande maioria mulheres, não se cansa de elogiar o cantor e compositor carioca. ;O Chico fala pra gente e como a gente. Acompanho sua carreira desde 1967, quando ele se apresentou na Praça da Liberdade. Já fui ao Rio, a São Paulo e em Belo Horizonte não perdi um espetáculo. Ele é de arrepiar e agrada a gregos e troianos;, comentou a professora de literatura Márcia Morais, de 63 anos.
No site criado para divulgar seu novo disco, Chico, que também dá nome à turnê, o autor de Vai passar chegou a comentar que sugeriu ao figurinista Cao Albuquerque que usasse saia no palco, devido ao grande número de canções femininas presentes no repertório. Ana de Amsterdã, O meu amor, Teresinha, Geni e o zepelim (que foi cantada pela primeira vez ao vivo e arrebatou o público especialmente no refrão ;Joga pedra da Geni/ Ela é feita pra apanhar;) e Sob medida, única letra em que ele tropeçou, mais precisamente no verso: ;Eu sou sua alma gêmea/ Sou sua fêmea/ Seu par, sua irmã;. ;Errei. Tinha que errar, né? Sou sua fêmea;;, brincou sendo aplaudido pelo público.
Letras decoradas
Aliás, é de impressionar como Chico Buarque sabe todas as músicas de cor. O único papel próximo a ele era o do roteiro do show. E praticamente não há intervalo entre as canções. Ele não interage nem conversa com a plateia. Tudo bem marcado e sem fugir do combinado.
O barulho de um trem deu início à apresentação. Em seguida, Chico entrou ao som de O velho Francisco. O teatro em polvorosa. De vez em quando, alguém gritava: ;Lindo, maravilhoso. Chico você é demais;, ou solicitava uma composição preferida. Todas as faixas do último disco estiveram presentes, com destaque para Rubato, Tipo um baião, Sou eu, Sinhá, além de Essa pequena e Se eu soubesse, dedicadas à atual namorada, a cantora curitibana Thais Gulin, que estava no Palácio das Artes.
O artista não deixou de prestar homenagem ao seu ;maestro soberano;, Tom Jobim. Anos dourados, A violeira e o divertido dueto com Wilson das Neves, em Teresa da praia, além de um trecho de A felicidade, que foi mesclada com uma das primeiras gravações de Chico, Sonho de um carnaval, no primeiro bis.
Outro parceiro lembrado foi Edu Lobo com Choro bandido, Valsa brasileira e a canção que encerrou a apresentação, Na carreira: ;E não olhar pra trás. E nem jamais. Jamais dizer. Adeus;;.
O casal Karen Joana Carvalho, de 25 anos, e Leonardo Leonel, de 26, veio de Santo André, no interior paulista, só para conferir a estreia da turnê. Depois de uma luta para adquirir as entradas pela internet, eles estavam ansiosos para assistir pela primeira vez à performance do grande ídolo de perto. ;Trouxe até uma rosa para entregar ao Chico. Fizemos questão de vir a Belo Horizonte e vamos em São Paulo também, no ano que vem. Pelo Chico vale tudo e espero que ele cante a nossa música: Futuros amantes;, declarou Karen.
Êxtase
Letícia Gloor, de 19 anos, e a mãe, Luciana Gloor, de 52, não escondiam o entusiasmo pelo espetáculo. Luciana admira tanto Chico, que certa vez, chegou a deixar Letícia, então com 2 anos, em casa com o pai, mesmo a menina estando com pneumonia. ;Fiquei um pouco com culpa. Mas era o Chico, né? E eu ficar ausente por pouco tempo. Meu marido tomou conta dela direitinho;, recorda. ;Acho que faria a mesma coisa, porque assistir a uma apresentação do Chico Buarque é único;, devolveu Letícia.
Quem também se emocionou foi a médica Ana Emília Carvalho, de 30 anos, que no fim da apresentação tentava ajeitar a maquiagem levemente borrada pelas lágrimas. Ela e o marido, André Carvalho, de 30, comemoravam dois anos de casados e Chico fez trilha sonora para o amor dos dois. ;O show foi um presente, uma surpresa;, disse a médica.A turnê em Belo Horizonte vai até quarta-feira. Depois, Chico Buarque segue para Porto Alegre e Curitiba. (Colaborou Paula Sarapu)
; Chico e Criolo
Uma das surpresas do show foi a citação feita por Chico do rap do cantor paulista Criolo, inspirado em Cálice: ;Pai afasta de mim a biqueira/ afasta de mim as ;biate;/ afasta de mim a ;cocaine;/ pois na quebrada escorre sangue;. Num diálogo de poetas, Chico Buarque devolveu: ;Era como se o camarada dissesse: ;Bem-vindo ao clube, Chicão, bem-vindo ao clube;. Valeu, Criolo Doido! Evoé, jovem artista. Palmas pro refrão do rapper paulista;. E emendou com os versos canção da original que compôs com Gilberto Gil, em 1973.