Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Em seu segundo disco, Karina Buhr passeia por variados caminhos poéticos

Não se deixe enganar. A garota punk que grita Cara palavra na abertura do disco não é a mesma que canta a segunda faixa, A pessoa morre (;depois de tanto verbo;). Muito menos a moça brejeira que sente calor em Amor brando, lá no finzinho de Longe de onde. Nesse segundo CD, que chega às lojas quase dois anos depois da ótima estreia solo (Eu menti pra você), Karina Buhr trafega por diferentes caminhos à sua maneira ; ou à maneira de suas muitas personas. É tranquila e furiosa, divertida e dramática, doce e ácida, mórbida e romântica. E quem disse que precisava ser uma só?

;Isso acontece de maneira natural. Não é uma coisa arquitetada, ;Ah, vou mostrar minhas várias faces;. Às vezes sou mais agressiva, tanto na letra como na música, em outras sou mais suave;, comenta a cantora e compositora (são dela as 11 faixas do álbum) nascida em Salvador, criada em Recife e há oito anos moradora de São Paulo.

Ex-vocalista e percussionista do Comadre Fulozinha, Karina Buhr também traz no currículo trabalhos com DJ Dolores, Bonsucesso Samba Clube, as bandas Eddie e Véio Mangaba, e cinco anos como atriz do Teatro Oficina. A convite de Zé Celso Martinez Corrêa, ela fez Bacantes em 2001 (a temporada e a gravação da peça em DVD) e as cinco partes de Os sertões (na segunda, em 2003, mudou-se de vez para a capital paulista).

;Sempre quis fazer teatro, mas nunca fui atrás porque estava totalmente envolvida com a música em Recife. Entrei no Oficina porque Zé Celso viu um show do Comadre Fulozinha e me convidou;, conta Karina, que chegou a São Paulo também com a ideia de mostrar a cara num disco solo, mas guardou a vontade até que pudesse se dedicar, de fato, à música. ;Tive que esperar acabar Os sertões, porque era muito assunto, duas coisas que tomavam muito tempo na vida, não dava para fazer ao mesmo tempo.;

Não que ela tivesse que parar tudo para começar a compor. Como sempre gostou de escrever e desenhar (é boa nisso também), costuma ter caderninhos perto da mão, na bolsa ou em casa. Guarda um monte deles, cheios de pedaços de letras, ideias de arranjos, músicas que vão sendo feitas aos poucos. ;Faço isso sempre, com as outras coisas do dia a dia. Para mim, tudo está muito ligado, desenhar, escrever, fazer música;, observa.

Quando resolveu bancar o primeiro disco (foram seis tiragens de mil cópias, esgotadas rapidamente), ela já tinha canções compostas ao longo dos anos, algumas até da década anterior (como Solo de água fervente). Para o segundo álbum, aproveitou duas que eram da leva de Eu menti pra você: Copo de veneno e Sem fazer ideia. E se no CD anterior ela começava mansinha (;Eu sou uma pessoa má/ Eu menti pra você;), agora, já chega chutando a porta, com Cara palavra: ;Desperta dor/ Apaga dor/ Vai embora/ Fica/ Meu amor;.

Alta voltagem
Quem a viu no palco (ela cantou em Brasília só uma vez, em agosto, num show em alta voltagem no CCBB) sabe da força de sua performance. Em carreira solo, Karina é, digamos, ;mais rock; do que no Comadre Fulozinha. Tem a seu lado uma superbanda, com dois dos maiores guitarristas do país, Edgard Scandurra e Fernando Catatau, além de Guizado no trompete, André Lima nos teclados, Mau no baixo e Bruno Buarque na bateria. Os dois últimos, aliás, assinam com ela a produção do novo álbum (e também do antecessor).

Longe de onde foi selecionado pelo edital Natura Musical ; daí o patrocínio para a gravação e cinco shows de lançamento (o primeiro no Rio, no Circo Voador, em 18 de novembro; os outros em São Paulo, Campinas, Porto Alegre e Recife). Ganhou, ainda, distribuição da gravadora Coqueiro Verde. ;Mas é um disco independente no conceito, no modo de agir, nas decisões;, ressalta a cantora, que o gravou em períodos espaçados, de acordo com a agenda dos músicos.

Numa brecha na agenda, ela também aproveitou uma viagem à Dinamarca em julho (foi a única atração brasileira do festival Roskilde neste ano) para passar uma semana no Marrocos, onde tirou a foto da capa do CD e gravou o clipe de Cara palavra. No vídeo dirigido por Jorge Bispo numa feira em Casablanca, Karina, de véu, mostra seus dotes de atriz, seu discurso poético nada óbvio, seu apreço pelas palavras.

E se aqui ela pode parecer furiosa demais, não se assuste. Logo depois, amolece. Nas faixas seguintes, cai na surf music (Guitarristas de Copacabana), no reggae (Cadáver), no iê-iê-iê (Pra ser romântica) e até numa movimentada pista de dança (The war;s dancing floor, composta assim, em inglês mesmo, ;com boa dose de cara de pau;, como ela diz). Sim, essa moça é diferente. É irônica, sincera ; e ótima ao mentir pra você.



Primeira Julieta
Cinco anos antes de entrar no Teatro Oficina, Karina Buhr foi Julieta numa montagem do clássico de Shakespeare adaptada por Ariano Suassuna e dirigida por Romero de Andrade Lima. A peça foi apresentada no Festival de Teatro de Curitiba e no Porto Alegre em Cena, mas, para Karina, nem conta. ;Foi coisa passageira. Na verdade, eu estava fazendo a trilha e tocando na peça. Aí a atriz que fazia Julieta desistiu. E em 15 dias eu tive que decorar e descobrir como viver a personagem;, explica.