Carmem é personagem universal. A história da cigana encrenqueira e sedutora podia funcionar em qualquer contexto, mas Antonio Gades soube como poucos ambientar a história. Resgatou para Carmem o universo do flamenco e transformou o conto do francês Prosper Merimée em uma trágica história de amor carregada do drama e da tensão característicos dessa dança. A Carmem de Gades é minimalista, corporal e profundamente conectada com a música. É também o título do balé mais importante do repertório da Companhia Antonio Gades. A Carmem que sobe ao palco da sala Villa-Lobos hoje pela segunda vez (a companhia passou por aqui em 2007) está no ar há 28 anos e ganhou vida graças a uma sintonia iniciada no cinema e transposta para o teatro em 1983.
Foi no filme homônimo de Carlos Saura que a versão de Gades para a personagem começou a tomar forma. No papel dele mesmo, o coreógrafo é responsável pela montagem do espetáculo com uma companhia de dança. Em vez da taberna idealizada por Merimée, o conto se passa num palco e as intrigas entre os dançarinos se assemelham às confusões protagonizadas por Carmem e seu Don José. Lançado o filme, Gades tratou de colocar em cena o espetáculo, estreado por Cristina Hoyos no mesmo ano. ;O espetáculo foi feito depois do filme, mas foi uma colaboração entre Saura e Gades. A cenografia feita por Saura é cinematográfica e há colaboração dos dois em 100% do espetáculo;, explica Stella Arauzo, diretora da companhia.
Stella dançou Carmem por sete anos e estreou no Brasil, em 1988. Após a morte de Gades, em 2004, seguiu o caminho planejado pelo coreógrafo e tomou a dianteira do grupo. Hoje, ela tem como missão preservar as cinco peças da companhia e orientar a criação de novos trabalhos para que estejam sempre conectados com os ideais estéticos originais de Gades. ;Cuido de conservar a estética, a forma de ele sentir a dança e encarar a profissão de bailarino. Tento conservar os espetáculos com a maior honestidade possível. É muito diferente hoje em dia a maneira como se dança o flamenco. Então, há todo um trabalho de estética e de ética para conservar essas obras, que já são clássicos da cultura espanhola. É a primeira vez, na Espanha, que se conservam as obras de um coreógrafo falecido.; Mantida pela Fundação Antonio Gades, a companhia é a única autorizada a montar os balés do coreógrafo.
Cenário minimalista
No papel de Carmem está Vanessa Vento, substituta de Stella desde o ano passado. Participam, ainda, outros 15 bailarinos. O cenário minimalista inclui apenas banquetas, cadeiras e espelhos e a figura do coreógrafo não existe na versão para teatro. Já a guitarra de Antonio Soleras, presente na peça desde 1983, dita o ritmo da trama, mais propensa a retratar um desafio de flamenco do que uma história de amor com final trágico. A obra de Gades se encaixa confortavelmente no contexto da história e acrescenta elementos a um universo incansavelmente trabalhado pela música erudita em leituras contemporâneas ou tradicionais da proposta de Georges Bizet. ;Carmem é uma cigana de Sevilha. E Merimée, quando viajou pela Espanha, dramatizou e romantizou mais essa história. Mas nós vivemos histórias assim naturalmente porque é nossa forma de viver e sentir. Creio que o flamenco pode ajudar muito a encontrar o sentimento de Carmem;, acredita Stella.
Confira trechos do espetáculo Carmem
Os músicos e cantores estão sempre em cena e o balé lembra um musical. Gades gostava de criar diferentes climas e para isso utiliza até elementos da ópera, como a abertura. ;Mas ele era muito direto, ia na essência. Os figurinos também são interessantes: ele desnuda os bailarinos e a roupa é como a mínima essência dos personagens.;
Viajante
O escritor francês era um viajante na Europa do século 19 e boa parte de suas histórias têm como inspiração a Rússia e a Espanha. O conto Carmem serviu de base para o libreto da ópera composta por Georges Bizet.
CARMEM
Com a Companhia Antonio Gades. Hoje e amanhã, às 21h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional (Setor Cultural Norte,). Ingressos: R$ 160 e R$ 80 (meia).