Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Em seu terceiro CD, Mariana Aydar passeia por caminhos diversos

Entre as guitarras e os sopros introdutórios dos 50 segundos de A saga do cavaleiro e o forró O homem da perna de pau, há um mundo que é vasto, mas não totalmente desconectado. Mariana Aydar nem precisou de tempo para perceber as conexões. Nascida e criada no ecletismo musical, a cantora e compositora ligou os pontos rapidinho. Cavaleiro selvagem aqui te sigo, terceiro disco da artista, é o seu trabalho mais autoral e artesanal.

Desde Peixes pássaros pessoas, lançado em 2009, Mariana alimenta seriamente o que começou com certa timidez. ;Comecei a gostar muito dessa história de compor e passei a fazer pedaços de música, trechos e tal;, conta. ;Depois analisei esse material e vi que tinha ali algo em comum, uma linha rítmica forte e uma influência afro-brasileira, moura, já intrínseca nas composições.; Para dar liga, chamou Duani, parceiro desde o primeiro disco, e o maestro e compositor Letieres Leite, dono do que ela chama de ;musicalidade ancestral;. ;E o Duani tem essa familiaridade com a música nordestina, o pop e o rap;, completa.

Gravado em estúdio e ao vivo, Cavaleiro selvagem aqui te sigo não teve interferências técnicas. Cada faixa foi gravada apenas três vezes. Mariana não quis modificar nada em estúdio para poder preservar ao máximo a espontaneidade e aproximar as sessões do clima de palco. ;Fez toda a diferença;, garante. ;Deu mais vida, mais calor ao disco. A gente se colocou prazos e limites, então teve todo esse sabor, sem nenhuma edição. O que está lá é o que a gente gravou.;

Mariana não faz sozinha o percurso de nove faixas do disco. Em Solitude, ela dá a mão aos parceiros Jwala e Luisa Malta para, mais adiante, se juntar a Emicida em Cavaleiro selvagem. O rapper precisou adentrar o universo da canção para terminar o que ela havia começado. ;Eu tinha esse pedaço da música encalhado, uma melodia que ficava rodando na cabeça. No Twitter, perguntei se alguém sugeria um parceiro e falaram no Emicida;, conta. ;Ele entrou tanto na minha onda e na canção que fez as melodias que eu poderia fazer. A sagacidade dele é genial, muito raro de se ver.;

Com Tiganá Santana e Guilherme Held, ela fez a bucólica Floresta e foi beber em outras fontes com o reggae Nine of ten, de Caetano Veloso, e o forró O homem da perna de pau, de Edson Duarte. A faixa, aliás, trouxe de volta lembranças de que Mariana gosta muito, coisas do tempo em que ela cantava forró. ;O disco tem essa influência, esse resgate das tradições nordestinas sem clichê, sem ser um disco de forró ou influenciado por ele;, observa. ;Mesmo quando eu cantava forró, queria verter um pouco. O homem da perna de pau tem uma mensagem muito positiva. Escolhi basicamente por isso e virou um forró meio carimbó, meio brega. Forró é uma zona de conforto para mim, me sinto bem e feliz.;

Melancolia

A versatilidade de Mariana fica clara em Porto, um fado triste e lírico de Nuno Ramos e Romulo Fróes escrito com destino certo. Quando Fróes sugeriu que Mariana tinha algo da melancolia do fado português, ela não entendeu. Então veio a canção e uma viagem a Portugal. ;Vi aquela intensidade nos fados, as pessoas cantam de olho fechado e eu sempre tive muito isso. Sempre fiz música com intensidade e acho que é isso que liga eu, Nuno, Romulo e o fado: não ter medo de ser intenso, não ter medo de ser triste.;

Tristeza, aliás, falta na música brasileira segundo avaliação da artista. ;Às vezes eu sinto que a música atual tem uma ode à felicidade, a uma música mais de festa, mais pra cima. E essa carga emocional de tristeza, de intensidade existe, está aí, não temos que ter medo dela.;

O ecletismo do disco pode parecer bizarrice. ;Tinha tudo para dar errado e dá certo;, brinca Mariana. Mas há algo de sincero na maneira como ela organiza os ritmos e passeia pela música brasileira. Paulistana de 31 anos, filha do músico Mario Manga, ela ouviu de tudo desde criança. ;Mesmo o disco tendo essa influência afro-brasileira e o forró, eu não quis que os temas falassem sobre esse Brasil regional porque não faz parte do meu universo, não seria sincero. Então usei linguagens mais universais para que todo mundo possa se identificar.;

E nessa experiência, ela juntou um time disperso que tem ainda Zé Ramalho com Galope rasante e Não foi em vão, de Thalma de Freitas, um capricho acalentado por Mariana desde que ouviu a canção em disco da Orquestra Imperial. Para fincar os pés na tradição, ela incluiu sua versão de Vai vadiar, de Monarco e Ratinho. Escolhas emotivas, sem pudores ou ponderações quanto à originalidade. ;Às vezes a gente fica meio cheio de dedos do que gravar ou não porque uma coisa já foi gravada. Eu, basicamente, escolhi as músicas pelo meu coração. Me arrepiou? Vou gravar.;

Excesso de boas ideias

No Brasil, boas cantoras (e músicos em geral) têm surgido na mesma proporção em que cresce a população mundial. Mariana Aydar, no entanto, sobressai nessa acirrada disputa porque, além de saber usar com precisão sua ótima voz, tem graça e expressividade espontâneas (o que dá relevo à mais simples canção) e sabe se cercar de músicos e produtores competentes e com sensibilidade para explorar e expor suas nuances de intérprete.

Essa conjunção de fatores faz de Cavaleiro selvagem aqui te sigo o bom disco que é, ainda que ele não vá além do que Mariana conseguiu em Peixes pássaros pessoas. Mas isso não é pouco, considerando a excelência do álbum anterior.

O problema é que Cavaleiro; sofre com o excesso de ideias, aponta em várias direções e termina por se dispersar na parte final, sem manter no ouvinte o interesse que desperta, no início, com faixas como Não foi em vão (mostrando Thalma de Freitas como ótima compositora), Os passionais (dos sempre eficientes Dante Ozzetti e Luiz Tatit) e Vai vadiar (Alcino Corrêa e Monarco), numa versão que dá à música uma passionalidade de bolero que o samba disfarça em sua versão original. (Rosualdo Rodrigues)

Ouça a faixa Não foi em vão: