Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Festival de Brasília do Cinema Brasileiro revela nova safra de diretoras


Elas vieram para ficar. Nas fichas técnicas de filmes, nomes femininos encabeçam listas como diretoras, produtoras e profissionais das mais diferentes áreas. Prova disso foi a expressiva participação das mulheres na 44; edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Na mostra competitiva de longas-metragens, Ana Rieper arrebatou a plateia com o documentário Vou rifar meu coração; Juliana Rojas mandou bem com o intrigante Trabalhar cansa (codirigido por Marco Dutra); e Tata Amaral levou, por Hoje, nada menos do que cinco prêmios ; inclusive o principal deles, o Candango de melhor filme.

Na disputa dos curtas-metragens, a grande vencedora foi a paulista Thais Fujinaga, que levou os troféus de melhor filme, melhor direção e prêmio da crítica. Também chamaram a atenção Três vezes por semana, de Cris Reque; A mala, de Fabiannie Bergh; Cafeka, de Natália Cristine; Menina da chuva, de Rosaria; Quindins, de Guiliana Danza e David Mussel; e Um pouco de dois, mistura de documentário e ficção das brasilienses Danielle Araújo e Jackeline Salomão.

Trabalho de conclusão do curso de audiovisual na Universidade de Brasília, Um pouco de dois foi rodado num espaço de oito meses, entre janeiro e agosto de 2010. É o segundo curta profissional de Danielle Araújo (em 2008, ela lançou no festival
Tira-gosto de poeta) e o primeiro de Jackeline Salomão. ;O fato de ter sido selecionado para o festival foi um marco muito importante na minha carreira. Isso foi o meu grande prêmio. E só confirmou minha relação com Brasília e meu amor pelo festival;, diz a entusiasmada Jackeline, de 25 anos. Seu projeto anterior, o clipe Aluga-se vende-se, do Móveis Coloniais de Acaju, resultou em três prêmios (um na Argentina e dois no Brasil) e destaque na cena brasiliense.

Fã de Sofia Coppola, Jackeline enxerga na cineasta nova-iorquina questões fundamentais para a prática de um bom cinema. ;Em Encontros e desencontros, ela traz muito essa coisa feminina da solidão, mas com muita delicadeza e silêncio. Admiro-a e me espelho nela;, comenta. ;Do Brasil, destaco Laís Bodanzky, que tem um olhar voltado para a infância e a adolescência, sem ser caricato. São muitos os filmes legais dirigido por mulheres. Não é para brigar com os homens, é para mostrar que elas também sabem fazer cinema, de forma diferente;, pontua.

Danielle Araújo, 28 anos, também cita o trabalho de Laís Bodanzky como referência, assim como as realizações das cineastas Miranda July e Agnés Varda e as experimentações visuais da artista Grete Stern. ;Sempre fui uma apreciadora do cinema;, ressalta. ;E mais ou menos aos 12 ou 13 anos comecei a fazer experimentações com uma câmera VHS do meu pai. Foi somente em 2003, quando ingressei na Universidade de Brasília, que percebi que
realizar filmes de forma menos amadora era possível.;

Com apenas dois curtas no currículo, Danielle nunca teve de encarar uma situação de ;machismo explícito;. ;Pelo contrário, sempre tive muitas parcerias;, reforça. Sua colega na direção de Um pouco de dois, Jackeline, também não vê preconceitos contra a mulher que faz cinema: ;A desconfiança é maior por causa da idade;. A visão é compartilhada por Bruna Carolli, diretora do curta Sonhando passarinhos, exibido na Mostra Brasília do festival. ;Nunca tive problemas por ser mulher, mas a idade conta muito. As pessoas questionam o tempo todo se você é bom ou não pelo tempo de carreira que você tem;, diz a brasiliense de 23 anos.


Fora de nichos
Premiada com o segundo lugar do Troféu Câmara Legislativa pelo curta-metragem A arte de andar pelas ruas de Brasília, um dos títulos da Mostra Brasília, Rafaela Camelo, de 25 anos, acredita que existe uma nova safra de cineastas mulheres na cidade, mas não um nicho ;cinema feminino;. ;Na faculdade, tive professoras mulheres que também são realizadoras, cineastas, documentaristas. Porém, há muita gente fazendo filmes: são homens, mulheres, pessoas do Plano Piloto, das cidades-satélites;, observa.

Na época da universidade, Rafaela teve uma musa da sétima arte para decidir um caminho importante. Então estudante de audiovisual na UnB, ela queria fazer um intercâmbio, ;mas não sabia onde;, quando descobriu que existia uma vaga em Salta, na Argentina, e que, naquela cidade, tinha nascido Lucrecia Martel. ;Pensei: ;Que máximo! Quero ir para lá;. Sei que não é o jeito certo de tomar uma decisão dessas, mas foi um bom semestre;, recorda.

Diretora de Mulheres de 50, também exibido no festival, Patrícia Antunes, 38 anos, conta que ;foi engolida pela necessidade de fazer cinema;, apesar das mil e uma dificuldades de realizar um filme. ;É como se você aprendesse a abrir uma porta, descobrisse que tem uma chave. Daí, tudo o que você quer dizer, todas as questões que gostaria de gritar ou sussurrar pro mundo, você o faz por meio dos filmes. Isso alivia a alma;, diz ela, que é formada em psicologia e estava grávida de seis meses quando rodou Mulheres de 50, um documentário que discute padrões de beleza impostos pela mídia e a violência contra a mulher. ;Quando o filme termina, fica um vazio. Mas logo vem outra questão, que o faz mover e locomover como um louco. É uma necessidade vital.;

Na telona do Cinema Voador
Este ano, paralelamente ao 44; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, quatro mostras foram exibidas em várias cidades do Distrito Federal, como Ceilândia, Taguatinga, Planaltina e Sobradinho. Entre elas, a Mostra Diretoras Premiadas, que tem encerramento hoje, no Cinema Voador do Gama (Praça Ponto de Encontro), com sessão, às 19h30, de Que bom te ver viva, de Lúcia Murat. A escolha dos títulos foi baseada em diversos critérios, entre eles episódios marcantes em suas exibições na mostra competitiva. A hora da estrela, de Suzana Amaral, por exemplo, foi o filme mais premiado da história do festival. Já Laís Bodanzky, em 2000, viu o protagonista de seu longa-metragem Bicho de 7 cabeças, Rodrigo Santoro, ser vaiado no palco durante a apresentação da equipe. A surpresa veio minutos depois com aplausos calorosos no fim da sessão.

E os Candangos foram para;

LONGA-METRAGEM
Filme: Hoje, de Tata Amaral
Direção de arte: Vera Hamburger (Hoje)

CURTA-METRAGEM
Filme: L, de Thais Fujinaga
Direção: Thais Fujinaga (L)
Direção de arte: Raquel Rocha (Premonição)

PRÊMIO DA CRÍTICA
Longa-metragem: Hoje, de Tata Amaral
Curta-metragem: L, de Thais Fujinaga

PRÊMIO VAGALUME (DO PROJETO CINEMA PARA CEGOS)
Animação: Menina da chuva,
de Rosaria

TROFÉU CÂMARA LEGISLATIVA (PARA FILMES DE BRASÍLIA)
CURTA-METRAGEM
Segundo lugar: A arte de andar pelas ruas de Brasília, de Rafaela Camelo